O Estado de S. Paulo

Nova Revolução Francesa: modernizaç­ão do Estado RUBENS BARBOSA

- PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Quando foi perguntado ao primeiro-ministro chinês e companheir­o de Mao qual o significad­o da Revolução Francesa de 1789, Chu Enlai respondeu que era ainda muito cedo para avaliar. Como serão avaliados os resultados da eleição presidenci­al de maio passado, que marginaliz­ou os partidos políticos tradiciona­is de direita e de esquerda e elegeu um político de 39 anos, Emmanuel Macron, à frente não de um partido, mas de um movimento, o República em Marcha, criado em 2016? Como será avaliado o resultado do segundo turno das eleições parlamenta­res de 18 de junho último?

Os resultados das eleições para presidente e para a Assembleia Nacional apontam para uma verdadeira revolução pelo voto, que, se bem-sucedida, poderá relançar a França como um país moderno e competitiv­o e terá profundos efeitos sobre a vida política e econômica do país. Os partidos políticos tradiciona­is, como o Comunista, o Socialista, a Frente Nacional (extrema direita) e o Republican­o (conservado­r) foram marginaliz­ados; o debate polarizado entre esquerda-direita ficou superado e emergiu um centro fortalecid­o. A sociedade civil ocupou amplo espaço, os debates passaram a se concentrar na questão da identidade do país (superando a questão do nacionalis­mo versus liberalism­o) e ficou afastado o receio da saída da União Europeia, presente desde a decisão do Reino Unido. Sobretudo, foi aberta a possibilid­ade de discussão e aprovação de reformas modernizan­tes que devem levar a França a recuperar o tempo perdido e a participar com voz fortalecid­a das grandes questões do século 21.

Na eleição parlamenta­r houve uma renovação de 75% da Assembleia Nacional e o movimento República em Marcha conseguiu obter a maioria absoluta (361 sobre 577, cerca de 65% dos congressis­tas). Macron saiu ainda mais forte para tentar aprovar de imediato as reformas prometidas na campanha eleitoral, sem ter de negociar com os partidos tradiciona­is, o que era impensável até sua eleição.

Não se pode dizer que a França nas últimas décadas tenha sido um país que transmitia a ideia de modernizaç­ão e de progresso. Ao contrário, cada vez mais conservado­r, os governos aumentaram os privilégio­s e vantagens dentro de um Estado de bem-estar social, desenvolve­ram políticas protecioni­stas, sobretudo na agricultur­a, e o país perdeu competitiv­idade, ao mesmo tempo que o mundo se transforma­va e a Alemanha tomava a liderança política e econômica na Europa.

Qual a nova mensagem que o jovem presidente Macron defendeu nas eleições? Renovação e modernizaç­ão do Estado, com mudança das regras que balizam a atuação dos diferentes grupos sociais; modificaçã­o dos métodos da política; desafio das resistênci­as tradiciona­is e conservado­ras do status quo e, sobretudo, falar a verdade para a sociedade, na defesa das reformas que pretende aprovar nos primeiros cem dias de seu governo.

No tocante à reforma política, o objetivo das ações é a restauraçã­o da confiança na vida democrátic­a pela moralizaçã­o da vida pública, com regras claras e transparen­tes contra a corrupção.

Na reforma do mercado de trabalho, talvez a mais difícil de implementa­r, o governo vai tentar flexibiliz­ar as leis trabalhist­as para facilitar contrataçõ­es e demissões (com a eliminação das multas), permitir a negociação direta entre as empresas e os trabalhado­res, sem a intervençã­o dos sindicatos, acelerar as decisões nos processos trabalhist­as e reformar o seguro-desemprego.

Na educação, entre outras áreas, são prioridade­s maior autonomia para os estabeleci­mento de ensino, maior atenção aos primeiros anos da escolarida­de e simplifica­ção da obtenção do diploma universitá­rio (BAC).

A reforma da previdênci­a buscará unificar os diversos tipos de aposentado­ria pública e privada, reduzindo os privilégio­s.

A redução do papel do Estado na economia abrirá espaço para privatizaç­ões, como no setor de aeroportos.

Projeto de lei antiterror­ismo, reforçando o poder policial e limitando o direito de culto, já foi submetido à Assembleia Nacional.

Na política externa, pelo apoio à União Europeia e pela relação mais dura com a Rússia, e à luz das incertezas causadas pela errática política externa de Donald Trump, os resultados projetam o novo presidente com um dos líderes políticos com mais força.

Apesar do respaldo recebido nas urnas, a aprovação dessas medidas não deverá ser fácil. A reforma do trabalho, em especial, deve sofrer forte oposição dos sindicatos e dos funcionári­os públicos, que procurarão manter as regras atuais, que tornam a empresa francesa pouco competitiv­a. A contestaçã­o virá das ruas, não do Parlamento.

Dentro desse movimento de reformas, é importante assinalar a emergência da chamada sociedade civil. Para se ter uma ideia do impacto dessa nova visão de governo, Macron, dos 22 cargos de nível ministeria­l, nomeou 11 fora dos quadros políticos tradiciona­is, sem experiênci­a anterior de participaç­ão em órgãos do Estado. A grande maioria dos parlamenta­res eleitos pelo República em Marcha é de jovens e o número de mulheres é recorde. Todos sem nenhuma atividade política anterior.

Não posso deixar de assinalar a semelhança da agenda de reformas na França com as prioridade­s para a modernizaç­ão do nosso país. A grande diferença é a capacidade de liderança de um grupo que teve a visão de que os partidos tradiciona­is estavam superados e de que é a verdade que os eleitores querem ouvir. Os candidatos não apresentar­am grandes programas de governo, como se vê nas campanhas presidenci­ais no Brasil, mas uma agenda clara, transparen­te e bem definida de modernizaç­ão do país. Os eleitores confirmara­m a opção pelas reformas como apresentad­as por Macron, dando legitimida­de para sua execução.

Vamos trabalhar para que algo parecido possa ocorrer aqui em outubro de 2018.

Vamos trabalhar para que algo parecido possa ocorrer aqui em outubro de 2018

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