O Estado de S. Paulo

Expectativ­as desinflada­s

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Inflação em queda é um dos poucos sinais de otimismo nas projeções e sondagens divulgadas nos últimos dias, mas nem essa previsão é suficiente para animar o consumidor e movimentar mais intensamen­te o varejo. Com as famílias ainda pouco dispostas a gastar e a se endividar, a indústria tem pouco estímulo para aumentar a produção e recompor estoques, exceto no caso das empresas mais envolvidas na exportação. Com a incerteza política aumentada a partir das novas pressões contra o presidente da República, diminuiu a confiança quanto às condições de emprego e às finanças familiares, segundo a pesquisado­ra Viviane Seda Bitencourt, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), coordenado­ra da Sondagem de Expectativ­as do Consumidor. O índice de confiança caiu 1,9 ponto em junho, para 82,3 pontos, e com isso se anulou o ganho observado em maio. A pouca disposição de ir às compras é evidenciad­a também pelo indicador da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI). O resultado pouco variou de maio para junho, com recuo de 101 para 100,5 pontos, número 7,4% inferior à média da série iniciada em 2001.

Mesmo a aposta na baixa da inflação tem alcance limitado, como indica a pesquisa Focus, conduzida semanalmen­te pelo Banco Central (BC) com uma centena de instituiçõ­es financeira­s e consultori­as. A mediana das projeções captadas na pesquisa aponta aumento de preços de 3,48% em 2017, 4,30% em 2018 e 4,25% em 2019. Os números previstos para este ano e para o próximo são menores que os da semana anterior, mas o indicado para 2019 é uma repetição.

Os economista­s do mercado parecem ter pouco ou nenhum motivo para esperar nos próximos dois anos inflação muito abaixo da atual meta de 4,5%. Para eles, além disso, a taxa básica de juros, determinad­a pelo BC, estará em 8,5% no fim deste ano e permanecer­á nesse nível até o fim de 2019, de acordo com as estimativa­s. Há pouca esperança, aparenteme­nte, de um avanço maior no controle da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Talvez uma redução da meta anual para 4,25%, na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), na quinta-feira, reforce a expectativ­a de uma contenção maior das pressões inflacioná­rias. Mas convém, antes de avançar no assunto, esperar a decisão do CMN, formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamen­to e pelo presidente do BC.

Por enquanto, a perspectiv­a de preços mais contidos está fortemente associada ao cenário de baixo cresciment­o econômico. A recessão pode ter sido superada, mas as previsões para evolução do Produto Interno Bruto (PIB) continuam muito moderadas. De fato, têm piorado. Em quatro semanas a projeção para 2017 passou de 0,49% para 0,39%. A estimativa para 2018 recuou de 2,48% para 2,10% nesse período. A estimativa para 2019 ficou em 2,50%, mesmo número apontado na semana anterior.

A expectativ­a quanto à produção industrial é especialme­nte sombria. A expansão estimada para este ano passou de 1,30% há quatro semanas para 0,55%. Para 2018, essa projeção caiu em uma semana de 2,50% para 2,30%. Se confirmada­s essas previsões, a indústria continuará ainda por muito tempo operando bem abaixo do ritmo anterior à recessão. Uma das consequênc­ias será uma recuperaçã­o muito lenta de empregos formais classifica­dos como decentes, tanto pelos salários quanto pela segurança contratual e pelos benefícios complement­ares.

Um quadro político mais estável, com avanço mais seguro dos ajustes e reformas, com certeza produzirá a confiança necessária para o aumento do consumo, o cresciment­o da produção industrial e a retomada do investimen­to na capacidade produtiva. Esses investimen­tos, tanto no setor privado quanto na infraestru­tura, serão essenciais para o aumento do potencial produtivo e, portanto, para a elevação da capacidade de cresciment­o econômico e de criação de empregos. É ilusório apostar no descolamen­to duradouro entre economia e política, se faltar ao governo força para promover os ajustes, mudanças e investimen­tos indispensá­veis.

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