O Estado de S. Paulo

Lautrec do submundo

Masp abre no dia 29 uma grande mostra com 75 obras do pintor francês

- Antonio Gonçalves Filho

O pintor francês Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901) tinha 25 anos quando pintou a cena ao lado, o óleo Moulin de la Galette (1889), pertencent­e ao Instituto de Arte de Chicago e emprestado ao Masp para a exposição Toulouse-Lautrec em Vermelho, que será aberta quinta, 29, para convidados (e sexta, 30, para o público). Havia dez anos que ToulouseLa­utrec decidira abandonar a pintura de paisagem e se dedicar à investigaç­ão da dor causada pela experiênci­a existencia­l, escolhendo o retrato como meio de expressão. Moulin de la Galette, observa o curador da exposição, o italiano Luciano Migliaccio, “é bem diferente da visão idílica que Renoir tinha do lugar, um alegre salão de baile em Montmartre”.

O olhar de Toulouse-Lautrec converge não para o baile, mas para as três mulheres entediadas e o homem sentado ao lado delas, provavelme­nte um cafetão. Um balcão de madeira separa o quarteto da classe operária que vai ao paraíso da dança em Montmartre. Uma das principais peças da retrospect­iva internacio­nal, que reúne 75 obras do pintor provenient­es de grandes museus estrangeir­os e coleções particular­es, Moulin de la Galette traduz principalm­ente a crença de Toulouse-Lautrec no trânsito interclass­ista, ele que nasceu numa família de aristocrat­as e optou por viver entre os marginais de Paris (prostituta­s e outros desajustad­os sociais).

O centro da exposição, porém, é mesmo O Divã (1893), uma das 11 telas pertencent­es à coleção do Masp, das quais nove estão expostas na retrospect­iva. A razão está estreitame­nte ligada ao título da mostra, justifica o curador e o diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa: a pintura O Divã representa a antessala do bordel, onde as amigas prostituta­s do pintor aguardavam os clientes.

E é preciso mesmo se despir dos preconceit­os para entrar numa exposição que enfatiza a relação de Toulouse-Lautrec com as múltiplas representa­ções da sexualidad­e. Em sua volta ao mundo para conseguir peças raras, Pedrosa encontrou obras que retratam, por exemplo, artistas lésbicas como a norte-americana Loïe Fuller (1862-1928) e a atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923), que gostava de mulheres, mas teve vários amantes homens.

Toulouse-Lautrec fez seu primeiro retrato de uma lésbica, Gabrielle, a Dançarina (1890), aos 26 anos. Ficou fascinado pelo tipo e por Gabrielle, que reaparece em outras pinturas acompanhad­a, insinuando-se para uma ruiva muito liberada (O Sofá, circa 1894, óleo sobre cartão pertencent­e ao Metropolit­an). A mostra tem um sucedâneo, As Duas Amigas, do mesmo ano, também um óleo sobre cartão da Tate. Há na retrospect­iva o que o curador Luciano Migliaccio chama de “núcleo dos homens”, os amigos que substituír­am o pai ausente, ocupado em caçar e frequentar prostituta­s. Toulouse-Lautrec, por sua deformidad­e física congênita, agravada pelas sucessivas quedas e enfraqueci­mento dos ossos, foi rejeitado pelo pai, mas acabou seguindo seus passos, acumulando amantes e fantasias (o que inclui o crossdress­ing, praticado pelo pai). Mais próximo da mãe, que incentivou a arte do filho, pedia a ela quantias elevadas para se manter em Paris (há várias cartas originais da coleção de Pedro Corrêa do Lago na mostra que comprovam isso).

No “núcleo dos homens”

destaca-se, obviamente, a figura de Paul Viaud, retratado numa obra-prima pertencent­e ao Masp, Paul Viaud como Almirante (1901). Viaud foi encarregad­o pela mãe do pintor de cuidar do filho quando este saiu da clínica de Neuilly – tarefa sem muito sucesso, uma vez que o artista escondia bebida até dentro da bengala que o ajudava a caminhar.

O curador Migliaccio destaca na mostra o núcleo dos pôsteres criados para promover artistas, entre eles o cantor anarquista Aristide Bruant e a dançarina de cancã Jane Avril. “Esse núcleo mostra o artista da geração pós-impression­ista mais interessad­o no aspecto dinâmico da imagem, o que o aproximou muito da arte oriental”, conclui.

 ?? THE ART INSTITUTO OF CHICAGO ?? Raro. Instituto de Arte de Chicago emprestou a tela ‘Moulin de la Galette’
THE ART INSTITUTO OF CHICAGO Raro. Instituto de Arte de Chicago emprestou a tela ‘Moulin de la Galette’
 ?? MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO ?? ‘O Divã’. Obra máxima entre as 11 pertencent­es ao Masp é centro da mostra
MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO ‘O Divã’. Obra máxima entre as 11 pertencent­es ao Masp é centro da mostra
 ?? MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO ?? ‘Monsieur Fourcade’. Banqueiro e amigo
MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO ‘Monsieur Fourcade’. Banqueiro e amigo

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