O Estado de S. Paulo

No pódio ou como solista, expressão em forma múltipla

Na Sala São Paulo, Julian Rachlin rege e sola ao violino e à viola com músicos ingleses da Royal Northern Sinfonia

- João Luiz Sampaio ESPECIAL PARA O ESTADO JULIAN RACHLIN Sala São Paulo. Praça. Júlio Prestes, s/nº, tel. 3256-0223. 3ª (27) e 4ª (28), às 21h. R$ 50 a R$ 430.

Para um dos maiores violinista­s de sua geração, o comentário pode parecer estranho. Mas o instrument­o preferido do lituano Julian Rachlin é o violoncelo. “Sempre foi, na verdade”, ele diz, brincando. Mas logo recupera a seriedade. “Eu digo isso para ressaltar uma coisa que para mim sempre é importante: o violino foi a minha primeira ferramenta na hora de me expressar por meio da música. Mas nessa frase, nessa ideia, o mais importante não é o instrument­o e, sim, a necessidad­e de expressão.”

Rachlin, não por acaso, somou ao violino a viola e, nos últimos anos, a regência. “Não é uma trajetória comum, mas quando me dou conta de que não estou interessad­o em ser um virtuose de um instrument­o mas, sim, em conhecer a música por todos os seus lados, me parece um caminho natural.” E as três facetas estarão representa­das nos concertos que ele apresenta hoje e amanhã na Sala São Paulo, com os músicos da inglesa Royal Northern Sinfonia, pela temporada da Cultura Artística.

Hoje, o programa tem a Valsa Triste, de Sibelius, a Sinfonia n.º 4 de Mendelssoh­n – com regência de Rachlin –, a Música Fúnebre de Hindemith (com Rachlin solando na viola) e o Concerto para violino de Mendelssoh­n (com solos de Rachlin ao violino). Amanhã, o foco é Mozart, com a Abertura da ópera As Bodas de Fígaro,o Concerto para Violino n.º 3 ea Sinfonia n.º 40; completa o programa Lachrymae, de Britten.

“É um programa no qual temos trabalhado bastante nos últimos tempos. Uma das coisas que mais me interessam no trabalho da Royal Northern Sinfonia é a possibilid­ade de fazer um número grande de ensaios, o que permite desenvolve­r nossa própria identidade, nosso próprio som, nossa visão sobre as peças”, ele explica. E isso parece particular­mente importante em programas nos quais há uma variedade grande de climas. “Certamente é o caso do primeiro. Valsa e a peça de Hindemith

Acarregam enorme tristeza, um caráter introverti­do, enquanto a Sinfonia de Mendelssoh­n traz uma mensagem de alegria, de celebração à vida”, garante.

Nas sinfonias, Rachlin vai reger; nos concertos, é apenas o solista. Ou também assume uma posição de liderança? “Na verdade, nem uma coisa nem outra. Em todos os casos, eu entendo o que fazemos como o ato de criar música em conjunto. E isso tem a ver não apenas com a forma como me vejo como artista, mas com a natureza da orquestra também: é um grupo menor, em que todo mundo ouve todo mundo e, por conta disso, o resultado final sempre lembra a música de câmara.”

Rachlin assumiu há três anos o posto de principal regente convidado da orquestra, que, criada em 1958, já gravou com artistas brasileiro­s: o maestro Claudio Cruz e o violonceli­sta Antonio Meneses. O grupo é residente no Sage Gateshead, centro cultural localizado no norte da Inglaterra que trabalha na prática a ideia de que a arte precisa dialogar com a comunidade em que está inserida, com a excelência artística aliada à formação de jovens músicos, programas para a terceira idade, além de um atenção especial a questões sociais. “Isso me fascinou desde o primeiro momento. Nossa sala de ensaios é toda envidraçad­a, o que significa que qualquer pessoa que estiver passando por lá pode ver o que estamos fazendo. É um espaço pensado para que as pessoas possam interagir com a música o tempo todo e isso é algo que me agrada não apenas como músico, mas como alguém que ama a música”, afirma ainda.

Para Rachlin, é preciso quebrar a “parede invisível” que separa o público das salas de concerto. “Ela foi criada a partir da ideia de uma arte de elite, que é uma construção, não algo que tenha a ver com a música em si. A música clássica pode ser cool, pode ser bela, pode ser encantador­a, depende de quem a ouve. A ideia de exclusivid­ade precisa ser trocada pelo conceito de inclusão e uma forma de fazer isso é ouvir os jovens que, ao contrário de quem normalment­e está à frente das orquestras, tem uma percepção desse nosso novo mundo mais rápida, mais dinâmica, mais clara. O trabalho do Sage é fantástico nesse sentido, mas cada cidade precisa encontrar o seu projeto, a sua forma de fazer. Aqui no Brasil, por exemplo, me fascina o trabalho feito pelo Instituto Bacarelli em Heliópolis”, recorda Julian Rachlin.

Os músicos da Royal Northern oferecem lá, na quinta, dia 29, uma série de masterclas­ses para jovens artistas.

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K. MIURA Rachlin. ‘A música clássica pode ser cool, pode ser encantador­a, depende de quem a ouve’

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