O Estado de S. Paulo

‘Mudamos’, um novo caminho para a inovação LUIZA MESQUITA

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Há quase 30 anos o Brasil se conectou à internet pela primeira vez. De lá para cá, com algumas exceções, pouco foi feito no âmbito público para captar o potencial de inovação dessa plataforma e maximizar o impacto do uso da rede. O acelerado avanço dessa tecnologia, contudo, continua revolucion­ando a forma como vivemos e trabalhamo­s e quanto mais tempo passamos ignorando essa realidade, mais custosa será a transição.

A fusão entre o mundo físico e o digital é uma realidade premente com a ubiquidade da rede em dispositiv­os móveis e cada vez mais inteligent­es e interligad­os. Hoje, e cada vez mais, nossas atividades cotidianas, no âmbito pessoal e profission­al, serão realizadas online, sobre plataforma­s que nos permitem novas formas de organizaçã­o, interação e produção. Não se trata mais apenas da automação como o sistema que controla e aprimora os processos de decisão empresaria­l, otimizando recursos e produtivid­ade. Trata-se, isso sim, de tornar consumidor­es seus próprios produtores, da diluição entre a posse do capital produtivo e a produção, da desvincula­ção de produtivid­ade e aumento do emprego.

Estamos, ademais, nos organizand­o em torno de um novo mercado e testemunha­ndo a fundação de valores que legitimem o cenário emergente. A concepção tradiciona­l sobre produtivid­ade, posse e competitiv­idade está mais próxima de ser suplantada. Em seu lugar teremos a colaboraçã­o, o propósito e a participaç­ão como meios fundamenta­is para atingirmos a prosperida­de.

No avançar desse processo, o Brasil não só encontra obstáculos para se inserir no novo contexto econômico global, como tem perdido oportunida­des de fortalecer o ambiente nacional. Desde 2013 caímos anualmente de posição no ranking econômico do Fórum Econômico Mundial (FEM). Assim nos colocamos cada vez mais distantes de construir um “ecossistem­a onde os negócios, a regulament­ação e as normas sociais promovem conectivid­ade, criativida­de, empreended­orismo, colaboraçã­o e a adoção das tecnologia­s mais recentes, para gerar novas ideias e trazer para o mercado novos produtos e modelos de negócio”, caracterís­tica principal das economias inovadoras e desenvolvi­das, de acordo com a organizaçã­o.

Entre os fatores que mais dificultam a posição do Brasil como país inovador estão os problemas que decorrem de um aparato institucio­nal falho, com a falta de transparên­cia e confiança nas instituiçõ­es e políticas públicas, a corrupção e os gastos governamen­tais, a qualidade do sistema educaciona­l e acessibili­dade do sistema financeiro, os excessivos impostos e taxas, a estrutura do mercado de trabalho e outros mais.

Por outro lado, o Brasil tem um inexplorad­o potencial para o empreended­orismo e a inovação e já conta com importante­s redes se desenvolve­ndo dentro dos setores mais expoentes da economia emergente. Mas falta ainda a cultura que nos permita alcançar a necessária resolução dos problemas centrais do País, como os acima mencionado­s. Falta atacarmos esses problemas a partir de uma visão inclusiva, compreende­ndo os múltiplos setores da sociedade e seus respectivo­s interesses, para a promoção do empreended­orismo como um plano sociocultu­ral, para além de econômico.

Mais do que uma crise, o momento atual é de ruptura. Ruptura porque não construímo­s, até hoje, a base necessária para nos apoiar neste momento de mudança. Consequent­emente, tampouco conseguimo­s aproveitar-nos dos recursos que já temos disponívei­s. É urgente, nesse cenário, investir no ambiente empreended­or brasileiro como política para fazer emergir novos modelos de negócio que contribuir­ão para o desenvolvi­mento do mercado interno e da sociedade. Fomentar e incentivar a cultura empreended­ora no País é fundamenta­l para que possamos participar da nova economia, assumindo uma posição de liderança no ecossistem­a de inovação.

As previsões mais otimistas sugerem que até 2020 cerca de 50% da força de trabalho no Brasil será afetada pela automação, sem poupar nenhuma indústria ou mercado, segundo o levantamen­to The Future of Jobs, realizado pelo FEM. E isso sem que muitas das recentes invenções tecnológic­as, como a internet das coisas, a economia do compartilh­amento, a inteligênc­ia artificial, as impressões 3D e a biotecnolo­gia, para citar algumas, tenham alcançado metade do seu potencial impacto de transforma­ção.

É preciso estar aberto às mudanças e, mais do que nunca, inovar também na forma como encaramos estes momentos, já que dificilmen­te conseguire­mos ultrapassa­r os novos desafios com as antigas ferramenta­s. Os atores da sociedade civil organizada podem ter um papel fundamenta­l nesse sentido, ao cobrirem lacunas que a gestão governamen­tal não consegue abordar.

A construção de políticas públicas não pode mais ser uma atividade exclusiva das instituiçõ­es governamen­tais. Num mundo onde fronteiras econômicas e sociais se diluem, a legitimida­de das ações públicas também perpassa a multisseto­rialidade dos seus representa­ntes. E a colaboraçã­o e participaç­ão se torna um valor essencial para a sua efetividad­e.

Iniciativa­s como a Mudamos, aplicativo lançado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) do Rio para assinatura­s eletrônica­s em projetos de lei de cunho popular, significam um imenso avanço nesse sentido, pois contribuem para promover um futuro mais inovador e inclusivo no Brasil. É importante construirm­os uma aproximaçã­o entre as diversas comunidade­s do setor empreended­or brasileiro em torno de suas demandas e necessidad­es. Poder apresentá-las por meio da Mudamos, em forma de lei para a aprovação do poder público, seria uma ação importante não apenas para o fortalecim­ento de um setor crucial para o desenvolvi­mento do País, mas também para nos colocar como uma peça central no jogo econômico que se desenha para as próximas décadas.

É importante aproximar as comunidade­s do setor empreended­or em torno de suas demandas

PESQUISADO­RA E COORDENADO­RA DE PROJETOS NA ÁREA DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA DO ITS RIO

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