Sem armas, guerrilha teme vingança de paramilitares.
Em cerimônia de entrega de arsenal, líder da guerrilha cobra promessas do governo
O governo colombiano, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e a ONU selaram ontem, em uma cerimônia na cidade de Mesetas, no centro do país, a deposição das armas do grupo. A guerrilha teme, no entanto, que o desarmamento seja visto por grupos rivais como uma oportunidade para empreender ações de vingança.
Após o presidente Juan Manuel Santos declarar encerrado o conflito armado na Colômbia, que começou em 1964, o desafio do país é superar a frustração crescente entre os ex-guerrilheiros e comunidades assoladas pelos combates.
Os 7 mil membros da guerrilha entregaram à ONU 7,1 mil armas e um pequeno grupo de seguranças manterá armamento pessoal até agosto. “Hoje, constatamos com emoção o fim desta guerra absurda que deixou mais de 8 milhões de vítimas”, disse Santos ao lado do líder das Farc, Rodrigo Lodoño – o Timochenko. “A paz é um acordo entre corações. Hoje, trocamos as armas pelas palavras.”
No interior da Colômbia, um dos locais mais afetados pelo conflito, muitos civis ainda têm dúvidas sobre as promessas de desarmamento da guerrilha e sobre o abandono das atividades ilícitas, principalmente o narcotráfico.
Do lado rebelde, há insatisfação com as promessas do governo. No acampamento Mariana Paez, em uma das zonas de transição para os ex-guerrilheiros, as casas de concreto com água corrente e eletricidade ainda são uma promessa.
Outra preocupação é uma possível vingança por parte de grupos que se opõem às Farc, agora que o grupo entregou as armas. Muitos temem campanhas de extermínio lideradas por egressos de facções paramilitares – desmobilizados ainda no governo de Álvaro Uribe (2002-2010), um risco maior agora, que estão desarmados.
As Farc e o governo da Colômbia assinaram em setembro o acordo de paz que previa o desarmamento e sua transição para um partido político, mas a sua implementação tem sido lenta e criticada por rivais de Santos, como Uribe.
No discurso de ontem, Timochenko reclamou de “armadilhas burocráticas e políticas” e pediu que o governo cumpra suas promessas. Ele questionou, por exemplo, por que alguns guerrilheiros presos que já foram anistiados há seis meses ainda não foram libertados.
Timochenko também reclamou das condições estruturais do próprio acampamento Mariana Paez, onde a cerimônia de ontem ocorreu. O líder da guerrilha afirmou que o local já deveria ter moradias de concreto com água corrente e eletricidade, mas ainda parece um “campo de refugiados”, com os rebeldes vivendo em barracas improvisadas com cobertura de plástico. “A infraestrutura dessa zona rural é a melhor testemunha da lentidão do cumprimento do acordo com o governo nacional”, disse o líder.
Apesar disso, tanto a cúpula quanto combatentes das Farc não se arrependem. Stefanía Rodríguez entrou para a guerrilha aos 13 anos e aceitou abandonar sua arma, apelidada “Demônio da Tasmânia”, em alusão ao desenho animado, em nome da esperança de um futuro melhor e da retomada de contato com a família. “Foi como perder metade de mim”, diz. “Mas já era hora de silenciar as armas”, afirmou. “Esse conflito já causou danos demais à Colômbia.”
Agora, Stefanía diz que, graças ao acordo, conseguiu rever sua mãe, de quem havia se separado há sete anos, e quer se tornar engenheira. O acordo foi rejeitado em referendo, mas o governo acabou aprovando o pacto via Congresso. Nas últimas semanas, Uribe questionou se a guerrilha não estaria escondendo parte do arsenal – insinuação que as Farc rejeitam.