O Estado de S. Paulo

O ponto de virada

- FÁBIO ALVES E-MAIL: FABIO.ALVES@ESTADAO.COM TWITTER: @COLUNAFABI­OALVE FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS É COLUNISTA DO BROADCAST

Em 18 de maio, dia seguinte à publicação na imprensa das denúncias do dono da JBS, Joesley Batista, envolvendo o presidente Michel Temer, o dólar encerrou a sessão de negócios no ponto mais alto desde o início da atual crise política: a R$ 3,3868.

De lá para cá, contudo, a moeda americana acomodou-se confortave­lmente num intervalo não muito distante da faixa entre R$ 3,25 e R$ 3,30. O sentimento parecia ser o seguinte: diante da enorme liquidez mundial, com os investidor­es globais sedentos pelas elevadas taxas de retorno oferecidas pelos ativos de países emergentes, o mercado fechou os olhos para a crise política que abala o governo Temer. Os preços dos ativos ontem refletiram uma cautela mais do que um estresse.

A sensação é de que os investidor­es aceitaram a perspectiv­a de que, até as eleições presidenci­ais de 2018, o Brasil vai apenas “muddle through”, ou seguir aos trancos e barrancos, na definição de analistas estrangeir­os. E, nesse cenário, os investidor­es parecem aceitar até que nenhuma reforma seja aprovada, desde que os preços dos ativos brasileiro­s não entrem em colapso, isto é, desde que o dólar não dispare para além de R$ 4 e que a atividade econômica não mergulhe num caos à la Venezuela.

Ontem, dia seguinte da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra Temer por corrupção passiva, o dólar começou o pregão apenas levemente acima do intervalo de conforto do mercado, a R$ 3,3094. Chegou a atingir R$ 3,3299 no início da tarde, mas ainda assim longe de um estresse que exigisse a intervençã­o do Banco Central.

Isso depois de uma acusação contundent­e contra Temer não somente pela PGR, como também pela perícia da Polícia Federal em relação aos áudios gravados por Joesley com o presidente. Isso também depois de analistas políticos e economista­s considerar­em que, após a primeira denúncia de Janot, o andamento das reformas, em especial a da Previdênci­a, fica gravemente prejudicad­o.

E o que poderia tirar o mercado desse equilíbrio precário em relação ao Brasil?

Para muitos analistas, do ponto de vista de fundamento­s domésticos, a aparente apatia atual seria chacoalhad­a apenas com uma perspectiv­a palpável de troca no comando do País num prazo relativame­nte curto, como poderia ter sido o caso se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tivesse julgado pela cassação da chapa Dilma RousseffTe­mer, levando a uma eleição indireta para a escolha de um novo presidente. Dependendo do sucessor, os preços dos ativos ou voltariam para o patamar pré-crise política ou passariam por uma correção bem mais severa.

Mas sem a opção TSE, qual pode ser o ponto de virada para o mercado em relação à permanênci­a ou não de Temer no cargo?

A baixíssima aprovação do presidente, que, segundo a pesquisa Datafolha, caiu para 7%, menor nível desde o governo de José Sarney, aumenta a pressão sobre o peemedebis­ta, mas o respaldo da Constituiç­ão o protege no cargo a não ser que o País descambe para uma saída que não seja democrátic­a.

Não foi à toa que, em artigo nesta semana, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um apelo “ao bom senso” de Temer, instando-o a encurtar o mandato e a chamar novas eleições. Seria a pressão de um político renomado como FHC o ponto de

Apatia atual seria chacoalhad­a apenas com uma perspectiv­a palpável de troca no comando

virada?

Aparenteme­nte, não. Isso porque FHC não foi tão longe ao fazer um “apelo ao bom senso” aos líderes do próprio partido, o PSDB, para desembarca­r de vez do governo. Isso tornaria a pressão praticamen­te insuportáv­el ao retirar o apoio parlamenta­r do peemedebis­ta até para vencer a iminente batalha na Câmara dos Deputados da votação para autorizar o Supremo Tribunal Federal (STF) em seguir adiante com o processo baseado na denúncia da PGR.

Teria sido o gesto de FHC apenas para “inglês ver”, ou melhor, o eleitor indignado?

Enquanto não vir, de fato, o risco de uma iminente troca de comando no País, o mercado parece ter feito um pacto: não se importa que o Brasil atravesse a transição para 2018 aos trancos e barrancos, com um presidente acuado por graves denúncias e sem capacidade de aprovar reformas.

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