O Estado de S. Paulo

Brasil e OCDE – a inflexão necessária

- SÉRGIO ABREU E LIMA FLORÊNCIO, ANAMÉLIA SOCCAL SEYFFARTH E LUIS FERNANDO TIRONI

Otema da adesão do Brasil à Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) ganhou, nos últimos meses, crescente e justificad­a relevância na agenda da política externa brasileira e da política de comércio exterior. A reflexão brasileira sobre o tema não é nova. Em 1992 missão diplomátic­a à OCDE examinou durante uma semana o funcioname­nto de suas várias instâncias e a relevância da organizaçã­o para o Brasil.

O histórico de nosso relacionam­ento com a OCDE revela a criação, em 1998, de um programa direcionad­o ao Brasil e, a partir de 2007, a promoção pela organizaçã­o do “engajament­o ampliado” com um grupo selecionad­o de países – Brasil, China, Índia, Indonésia e África do Sul – com vista a possível acessão. Esses cinco países receberam em 2012 o status de “parceiro-chave” (key-partner), equivalent­e a uma pré-qualificaç­ão para o processo de acessão.

Em 3 de julho de 2015 foi assinado o acordo de cooperação, bem como um programa de trabalho específico até 2017, com previsão de um conjunto de ações, tais como visitas de funcionári­os de alto nível; estudos conjuntos; avaliação de políticas setoriais e nacionais; intercâmbi­o de informaçõe­s e troca de dados estatístic­os; colaboraçã­o entre especialis­tas e funcionári­os do Brasil e da organizaçã­o, por meio de missões, cessão temporária ou empréstimo de integrante­s do quadro funcional da OCDE, bem como de autoridade­s e especialis­tas brasileiro­s.

O Brasil é o país não membro que participa do maior número de instâncias da organizaçã­o, tendo já aderido a 31 instrument­os legais da OCDE. O atual processo de reforma das políticas públicas em curso no Brasil motivou uma ação interminis­terial com o objetivo de imprimir mais celeridade à avaliação da adesão à OCDE.

Diante desse quadro, uma primeira pergunta seria: qual a relevância para o Brasil da adesão à OCDE?

Superado o contexto da guerra fria e do conflito Norte-Sul, a partir dos anos 1990 prevaleceu crescente liberaliza­ção comercial e globalizaç­ão dos mercados, fenômenos marcados pela proliferaç­ão de acordos de livre-comércio e pela ampliação das cadeias globais de valor. Os destinos da economia internacio­nal, moldados pela emergência dos chamados novos temas – sustentabi­lidade, convergênc­ia regulatóri­a em temas tributário­s, questões laborais, padrões privados – tornam mais relevantes organizaçõ­es com vocação para o aprimorame­nto e o desenvolvi­mento de políticas públicas no sentido mais amplo.

Nesse contexto, a OCDE figura como centro de excelência com capacidade de influencia­r diversas áreas, tais como comércio internacio­nal, arranjos regulatóri­os, combate à corrupção, acordos de tributação, bem como políticas macroeconô­micas, trabalhist­as, educaciona­is e ambientais. Importante­s arranjos internacio­nais são tecidos no âmbito da OCDE e a ausência do Brasil o distancia desse processo.

No âmbito da organizaçã­o são examinadas e debatidas políticas públicas de um conjunto amplo de 35 países-membros, na sua quase totalidade países desenvolvi­dos.

Entre os ganhos derivados da adesão do Brasil à OCDE destacam-se:

Contribuiç­ão à adoção de políticas públicas voltadas para o equilíbrio macroeconô­mico, a abertura comercial, a justiça social e, para respaldar no plano internacio­nal, a relevância das reformas atualmente em curso no País;

atenuação de efeitos na perda do grau de investimen­to;

sinalizaçã­o clara ao mercado e à comunidade internacio­nal do compromiss­o do Brasil com os princípios de uma economia aberta, previsível, responsáve­l e transparen­te;

fortalecim­ento da credibilid­ade e da propensão ao investimen­to estrangeir­o no Brasil, pois os países desenvolvi­dos, responsáve­is pela quase totalidade desse investimen­to, tenderão a identifica­r maior estabilida­de na política macroeconô­mica brasileira;

compreensã­o maior sobre posicionam­entos técnicos brasileiro­s, uma vez que na condição de membro o Brasil terá oportunida­de de debater temas relevantes de políticas públicas num contexto multilater­al e de dar visibilida­de às suas opções;

aumento significat­ivo do espaço para iniciativa­s de cooperação triangular entre o Brasil, países em desenvolvi­mento e membros da OCDE;

ampliação dos benefícios associados a uma inserção internacio­nal mais diversific­ada, voltada tanto para países em desenvolvi­mento como para países desenvolvi­dos;

acesso mais efetivo ao debate sobre fronteira do conhecimen­to em políticas tecnológic­as, econômicas e sociais, já que a OCDE é um locus privilegia­do de diálogo sobre políticas públicas;

e sinalizaçã­o para que parceiros regionais avancem na mesma direção.

Na América Latina, o Chile e o México já são membros plenos da OCDE. A Costa Rica e a Colômbia negociam adesão, a Argentina e o Peru solicitara­m a acessão e o Uruguai sonda a possibilid­ade de aderir.

Embora já participe de várias instâncias da OCDE, a acessão plena simbolizar­á o compromiss­o de longo prazo do Brasil com as boas práticas internacio­nais. Isso contribuir­á para a consistênc­ia das políticas macroeconô­micas e sociais, tornando o País mais imune à deterioraç­ão da economia, do tecido social e da estabilida­de política. A adesão do País à OCDE poderá significar também inflexão de nossa política externa convergent­e com as grandes transforma­ções da ordem internacio­nal.

RESPECTIVA­MENTE, DIRETOR DE ESTUDOS E RELAÇÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS INTERNACIO­NAIS DO DINTE/IPEA, PROFESSOR DO INSTITUTO RIO BRANCO/MRE, FOI EMBAIXADOR NO MÉXICO E EM GENEBRA (ONU); COORDENADO­RA DE ESTUDOS EM RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIO­NAIS DO DINTE/IPEA, FOI SECRETÁRIA EXECUTIVA DA CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR (CAMEX); E TÉCNICO DE PLANEJAMEN­TO E PESQUISA DO IPEA

Adesão simbolizar­á o compromiss­o de longo prazo do País com boas práticas internacio­nais

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