Chavismo limita poder, congela contas e proíbe saída de procuradora rebelde
Venezuela. Entre medidas chavistas no dia seguinte ao ataque de um helicóptero policial ao Tribunal Supremo de Justiça está a ampliação de atribuições da Defensoria Pública, controlada pelo governo, que passa a ter acesso a investigações da Procuradoria
Um dia após um helicóptero policial abrir fogo contra o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ), a corte chavista limitou os poderes da dissidente Luisa Ortega Díaz como procuradora-geral, além de bloquear suas contas e proibir a saída dela do país. A decisão dá à Defensoria Pública, fiel ao chavismo, acesso às investigações da Procuradoria, que miram funcionários envolvidos com repressão interna e propina paga pela Odebrecht.
A chefe do Ministério Público reagiu com um discurso duro, em que acusou o presidente Nicolás Maduro de “terrorismo de Estado” e prometeu defender a Constituição com a vida.
A Corte decidiu equiparar os poderes da Defensoria – leal ao chavismo – aos do Ministério Público em casos relativos a direitos humanos. Com isso, o defensor público Tarek William Saab terá acesso a todas as investigações em curso da Promotoria, incluindo documentos e análises forenses.
“A defensoria tem competência constitucional para proteger os direitos humanos e pode ter acesso a atuações judiciais quando se trata de violações de direitos humanos sem que isso influa na atuação do Ministério Público”, diz o texto da decisão.
A Procuradoria-Geral tem processado membros da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) pela morte de manifestantes na repressão a protestos contra o governo, que começaram em abril. Ontem, mais cinco jovens foram assassinados em manifestações pelo país, aumentando o número de mortos para 81 – cifra que ainda precisa ser oficializada pelo Ministério Público.
Além disso, o TSJ, que também é vinculado ao chavismo, declarou “nula” a designação por Ortega do vice-procuradorgeral Rafael González e tomou para si a competência de nomear o novo número dois da Procuradoria. O tribunal também indeferiu o recurso da procuradora-geral contra a eleição da Constituinte convocada por Maduro. Ontem, o TSJ proibiu Ortega de sair do país e congelou suas contas bancárias.
Em entrevista coletiva, Ortega subiu o tom das críticas ao governo, com quem rompeu há três meses, e ironizou a reação chavista ao ataque com um helicóptero. “Aqui parece que o país todo é terrorista. Estão desesperados para que haja um golpe de Estado”, disse. “O que temos é um terrorismo de Estado. Perdeu-se o direito de manifestação. Civis são julgados pela Justiça militar. Protegerei com a minha vida esta Constituição.”
Ortega ainda prometeu desconhecer as decisões proferidas pelo TSJ e garantiu que tanto o Ministério Público quanto a Assembleia Nacional não estão em desacato, como alega o governo.
‘Golpe’. O autor do ataque, Oscar Pérez, é inspetor aeronáutico da polícia científica venezuelana. Aos 36 anos, ele também é conhecido como ator amador.
Na tarde de quarta-feira, ele pilotou um helicóptero da entidade rumo ao TSJ e efetuou 15 disparos contra o prédio.
O incidente ocorreu após Nicolás Maduro falar sobre planos de um golpe para derrubá-lo. Em um pronunciamento, o presidente venezuelano prometeu manter “pelas armas” o que não pudesse ser garantido por voto.
A coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) prometeu investigar o caso, sem descartar a possibilidade de uma farsa armada pelo próprio governo. A aeronave usada por Pérez foi encontrada ontem no norte do país, mas ele está foragido, o que alimentou as teorias de que pudesse ter agido para justificar a retaliação chavista.
Analistas veem o caso com ressalvas. “É possível que o governo tenha montado o episódio para distração da crise ou provocar um expurgo nas forças de segurança”, disse Diego Moya-Ocampos, da consultoria IHS Markit.