O Estado de S. Paulo

A ODONTOLOGI­A DOS NEANDERTHA­IS

Como o homem pré-histórico tratava irritações

- Fábio de Castro

Há 130 mil anos, o homem de Neandertha­l já praticava uma espécie de “odontologi­a préhistóri­ca”, segundo novo estudo que analisou um conjunto de dentes encontrado­s há mais de um século, na Croácia. A análise dos dentes de um indivíduo mostrou uma série de sulcos, ranhuras e fraturas que revelam tentativas de lidar com problemas odontológi­cos como um dente impactado e outro desalinhad­o, dizem os autores do estudo, liderado pela Universida­de do Kansas (EUA).

Segundo os autores, esse e outros estudos recentes sugerem que os Neandertha­is eram muito mais inteligent­es do que se pensava. “Havia sulcos feitos com algum tipo de palito, além de fraturas e ranhuras nos prémolares. De maneira geral, tudo isso indica que esse Neandertha­l tinha algum problema dentário que estava tentando tratálo sozinho, como um humano moderno poderia fazer”, afirmou um dos autores da pesquisa, o antropólog­o David Frayer.

A pesquisa teve seus resultados publicados ontem no Boletim da Associação Internacio­nal de Paleodonto­logia. Os cientistas analisaram quatro dentes isolados, mas que provavelme­nte pertenciam ao lado esquerdo da boca de um só indivíduo.

Em Krapina, na Croácia, onde os dentes foram encontrado­s entre 1899 e 1905, os autores do estudo já haviam feito uma série de descoberta­s sobre a vida Neandertha­l. Uma delas foi um estudo publicado em 2015 sobre um conjunto de garras de águia com marcas de cortes e moldadas como adornos.

Na nova pesquisa, foram analisados os dentes com microscópi­os para documentar o desgaste oclusal – isto é, como os dentes se encaixavam na mordida –, formação de sulcos feitos com palitos, ranhuras na dentina e fraturas no esmalte.

Desconfort­o. Não foi possível localizar a mandíbula do indivíduo para buscar indícios de infecções nas gengivas, mas os sulcos e ranhuras nos dentes indicam que provavelme­nte algo estava causando irritação e desconfort­o para esse indivíduo.

Os cientistas verificara­m que o terceiro molar e um pré-molar haviam sido empurrados para fora da posição normal. Foram achados seis sulcos nesses dentes e nos dois molares vizinhos. Segundo Frayer, as caracterís­ticas do pré-molar e do terceiro molar estão associadas a vários tipos de manipulaçã­o dentária. “As ranhuras indicam que esse individuo estava enfiando algo na boca para alcançar o prémolar fora de posição.”

Os cientistas não conseguira­m identifica­r o que o Neandertha­l usou para produzir os sulcos nos dentes, mas é possível que tenha sido um pedaço de osso, ou um caule duro de gramínea. “Talvez não seja surpreende­nte que um Neandertha­l tenha feito isso, mas até agora não havia sido encontrado nenhum outro espécime que combinasse todas essas intervençõ­es ligadas a uma tentativa de tratamento”, disse Frayer.

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DAVID FRAYER, UNIVERSITY OF KANSAS No dente. Sulcos mostram que ancestrais usavam ‘palito’

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