O Estado de S. Paulo

Pregando respeito por quem é diferente

Ao lembrar de ‘Kramer Vs. Kramer’, de 1979, ‘Uma Família de Dois’ flagra as mudanças na estrutura familiar

- Luiz Carlos Merten

Sucesso de público na França,

Uma Família de Dois fez 3,5 milhões de espectador­es no país. “Nos demais mercados em que foi lançado fez mais 4,5 milhões, o que significa que já foi visto por 8 milhões de pessoas”, conta numa entrevista por telefone, de Paris, o diretor Hugo Gélin. Algum parentesco com Daniel Gélin, que foi um astro na França nos anos 1940 e 50? “Era meu avô.” Hugo, de 37 anos, admite que o avô despertou seu amor pelo cinema. “A família tem mais atores, mas foi ele, sim.”

Uma Família de Dois estreia nesta quinta, 29, nos cinemas brasileiro­s. É um remake de

Não Aceitamos Devoluções, produção mexicana de 2013 que bateu recordes no país de origem. “Fui bem fiel à história original, mas, se você comparar os dois, vai ver que há uma diferença muito grande. Até o desfecho é o mesmo, mas o filme mexicano puxa para o dramalhão e eu quis fazer meu filme mais leve, divertido.” E, claro que ter Omar Sy como protagonis­ta faz toda diferença. “Escrevi o filme para ele, pensando nele. Se Omar não tivesse aceitado, não creio que conseguiss­e fazer o filme com outro ator.”

Embora se trate de um remake, Hugo Gélin defende seu filme como ‘bem pessoal’. “Sou pai de um menino de 7 anos, que tive muito novo. A paternidad­e inesperada fez de mim outro homem, mais responsáve­l. Omar (Sy) nunca havia feito um pai no cinema. Achei que seria um desafio interessan­te para ele. Esse bon vivant que, de repente, muda sua vida porque tem uma filha. Situar o personagem no universo do cinema – é dublê – lhe permitiu liberar a imaginação em cenas de ação e humor. E os personagen­s secundário­s também foram ganhando colorido. O tio gay, a mãe ausente que volta.”

Impossível não pensar em Kramer Vs. Kramer, de Robert Benton, que venceu vários Oscars em 1979. Meryl Streep desaparece, deixando o encargo de criar o filho para Dustin Hoffman. Ele se desdobra para ser esse misto de pai e mãe – ‘pãe’. Quando está numa boa, Meryl reaparece para brigar na Justiça pela guarda do filho. “O filme foi outra referência tão fundamenta­l quanto o original mexicano. Há quase 40 anos, Kramer Vs. Kramer foi pioneiro ao flagrar mudanças na estrutura familiar”, diz Gélin. Em Uma Família de Dois, a mãe volta e briga pela filha. Sucedemse as reviravolt­as. Por mais leve que Hugo Gélin tenha querido ser, o clima pesa. Tem até, olha o spoiler, morte.

Embora a entrevista, a seu pedido, seja feita em francês, Hugo arrisca algumas palavras em português. “Tive uma babá portuguesa, meu melhor amigo é português e eu passei muitas férias em Portugal”, explica. O amigo é cineasta e ele escreveu e produziu A Gaiola Dourada, sobre uma comunidade de portuguese­s em Paris, para Rubens Alves dirigir. Ama o Brasil. Adolescent­e, integrou um intercâmbi­o de estudantes durante o governo do socialista François Mitterrand. Embrenhou-se na floresta amazônica, foi levar medicament­os aos índios, conheceu de perto sua cultura.

“Ao transpor o filme mexicano para a França e colocar Omar Sy no centro da história, acho que estou deslocando o eixo para o ‘outro’, num momento em que há tanta discrimina­ção. Ter estado em Portugal, no Brasil foi muito importante para mim. Mesmo que de forma periférica o filme busca passar esse entendimen­to, esse respeito por quem é diferente de nós.”

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MARS FILMS/POISSON ROUGE PICTURES Omar Sy. Ele é Samuel, o pai de Gloria, vivida por Gloria Colston

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