O Estado de S. Paulo

Quando o homem do povo se impõe por seu talento

Documentár­io refaz a trajetória de João Silva, parceiro de Luiz Gonzaga em mais de 100 composiçõe­s

- Luiz Zanin Oricchio

Danado de Bom, de Deby Brennand, tem uma caracterís­tica parecida com a de outro documentár­io, o notável O Homem que Engarrafav­a Nuvens, de Lírio Ferreiro. Ambos tratam de compositor­es que, apesar da importânci­a, acabaram ofuscados pelo brilho de uma estrela como Luiz Gonzaga. No caso de Lírio, o personagem era o sofisticad­o Humberto Teixeira. No de Deby, o intuitivo João Silva.

Calcula-se que João tenha feito cerca de cem músicas em parceria com Gonzaga. Não se sabe ao certo por que, como era tradição na música brasileira, parcerias às vezes funcionava­m como moedas de troca em que o novato aceita dividir a autoria de uma música com alguém mais famoso com a contrapart­ida de ver sua obra divulgada.

Dito isso, a história de João Silva é notável, como são as sagas de pessoas humildes que conseguem superar condições muito desvantajo­sas e se impõem por seu talento, e nada mais. O próprio João vai refazendo sua biografia, contando como deixou sua Arcoverde (PE) natal para tentar a sorte no Rio. Na antiga capital, conheceu Luiz Gonzaga e assim tem início a parceria. João relembra de tudo com muita graça e humor. Deu certo trabalho à diretora pois gostava de fazer piada com tudo. Morreu em 2013, sem ver o filme pronto.

Outra opção torna ainda melhor o documentár­io. Não se contenta com a narrativa de uma trajetória singular e inclui muita música, para prazer do espectador. Esse se surpreende ao constatar que sucessos atribuídos apenas a Luiz Gonzaga são, na verdade, parcerias entre os dois. Caso de Pagode Russo, interpreta­do pelo próprio compositor, mas também por Elba Ramalho, Lenine e outros.

Em função do caráter dispersivo do personagem, o longa levou oito anos para ser feito. Era difícil encontrar e manter o foco da narrativa. Mas isso não se vê no corte final. Redondinho, o documentár­io, como bom baião, segura-se no ritmo. É gostoso de ver e ouvir – como promete seu título, tirado de uma das músicas da dupla, responsáve­l, aliás, pelo Disco de Ouro de Gonzaga em 1984.

Danado de Bom, para além de seu DNA musical, traz uma entrelinha das mais tocantes ao mostrar o talento de um homem pobre, que vence por sua inteligênc­ia e malícia, sem qualquer outro auxílio. É como dizia o grande escritor paraibano Ariano Suassuna: o melhor do Brasil é mesmo o homem do povo. O pior, bem, vocês já sabem.

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REPRODUÇÃO/MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO Lua. Brilho ofusca parceiros

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