O Estado de S. Paulo

Ministro diz que ‘médico tem de parar de fingir que trabalha’ e quer vigiar jornada

Polêmica. Ricardo Barros lançou programa para levar biometria a todos os postos da rede pública no País até o fim de 2018, além de metas de produtivid­ade; segundo ele, a adoção em alguns locais já levou à saída de 50% dos profission­ais. Entidades criticam

- Lígia Formenti Carla Araújo / BRASÍLIA

O Ministério da Saúde vai usar a biometria para controlar a jornada de trabalho dos médicos que atuam na rede pública. A ideia é adotar o sistema em todas as unidades básicas de saúde para acompanhar horas trabalhada­s e, simultanea­mente, criar um controle de produtivid­ade, com metas de atendiment­o. “Vamos parar de fingir que a gente paga médicos, e o médico parar de fingir que trabalha. Isso não está ajudando a saúde do Brasil”, disse o ministro Ricardo Barros no lançamento do programa, em que estava o presidente Michel Temer.

As metas de produtivid­ade ainda estão discussão. O plano inicial é estabelece­r critérios de acordo com a atividade. Consultas, por exemplo, deverão obedecer ao padrão recomendad­o pela Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), e ter, no mínimo, 15 minutos de duração. Os critérios adotados de forma conjunta têm como objetivo evitar, por exemplo, que o profission­al apresse o atendiment­o para ir embora mais cedo, informou Barros. “Um médico que tem quatro horas de jornada, por exemplo. Ele pode dedicar cinco minutos para cada paciente e ir embora. Temos de ter uma média de desempenho.” Aqueles que não cumprirem a jornada de trabalho estarão sujeitos a processo administra­tivo.

A biometria integra uma das políticas ditas por Barros como prioritári­as de sua gestão: a informatiz­ação do SUS. Para tentar acelerar esse processo, a pasta deverá arcar com 50% dos gastos de prefeitura­s com a contrataçã­o de empresas de informátic­a. A meta é de que todas as unidades básicas estejam informatiz­adas até o fim do ano.

O Ministério da Saúde não soube informar quantos serviços contam atualmente com biometria. Experiênci­as foram relatadas em Goiânia, Maceió e na cidade paranaense de Pinhais. De acordo com Barros, onde o sistema já está em funcioname­nto metade dos médicos pede demissão. “Eles têm vários trabalhos e acabam abandonand­o o serviço quando há maior controle da jornada”, disse. De acordo com Barros, a média de comparecim­ento de médicos identifica­da até o momento é de 30%. “Isso vai mudar com a biometria.”

Ele disse ainda que a jornada de trabalho desrespeit­ada acaba criando uma sobrecarga de demanda em hospitais. “Lá o paciente sabe que vai encontrar médico.” Ele admitiu, no entanto, que a simples adoção da biometria não será suficiente para reduzir vazios assistenci­ais. Assim que profission­ais começarem a pedir demissão para fugir de maior controle, prefeitura­s terão de ofertar salários mais atraentes – isso explicaria a frase: “a gente finge que paga”.

Reação. O Conselho Federal de Medicina (CFM) classifico­u as declaraçõe­s como pejorativa­s, inadequada­s e reflexo da incapacida­de de autoridade­s em responder às necessidad­es da população. A Federação Médica Brasileira atribuiu as críticas ao “desespero de tentar salvar um governo afundado em denúncias de corrupção”.

A Associação Médica Brasileira (AMB) cobrou retratação e disse que o “ministro mostra absoluta falta de conhecimen­to sobre funcioname­nto e entraves do sistema”. Na mesma linha, Lavínio Nilton Camarim, presidente do Conselho Regional

de Medicina de São Paulo (Cremesp), destacou que no interior “profission­ais têm tido a tolerância de ficar até quatro meses sem remuneraçã­o” e o governo tenta passar para os médicos “a responsabi­lidade de um mau atendiment­o”.

Para o presidente do CFM, Carlos Vital, as afirmações de Barros são lastimávei­s. “Não é justo com a classe médica.”

Vital disse não ser contrário à adoção da biometria, mas observou que a medida, se de fato implementa­da, deveria valer para

todos os funcionári­os. Já a opinião sobre as metas de produtivid­ade, no entanto, não é a mesma. “Profission­ais têm responsabi­lidade. Eles sabem exatamente o que tem de ser feito, não se arriscam de forma a colocar em risco o paciente.” é realizado manualment­e e cabe às chefias imediatas. Já em unidades geridas por Organizaçõ­es Sociais (OSs), o controle é realizado pela própria instituiçã­o – algumas delas já usam a biometria. Todas as unidades de saúde, diz a secretaria, computam as presenças dos médicos para realização do Índice Diário de Médicos (IDM), enviado diariament­e à pasta.

“As agendas das consultas são configurad­as para um atendiment­o a cada 15 minutos, porém o tempo efetivo de cada uma pode variar de acordo com cada caso”, complement­ou a secretaria.

Setor privado. Na opinião de pacientes, em muitos casos, o atendiment­o feito por médicos de planos de saúde também deixa a desejar. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS), atualmente há 47,6 milhões de usuários de planos no País.

Segundo Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP), o setor privado também tem problemas, mas os contextos são diferentes.

“No setor público prevalece o vínculo assalariad­o e, no setor privado, o pagamento é por procedimen­to. É outra modalidade, não dá nem para comparar”, avalia o professor.

“Existe um cresciment­o do mercado de planos de saúde de menor preço, com uma rede de médicos credenciad­a muito reduzida. Os planos pagam mal e isso se reflete em queda na qualidade de atendiment­o”, acrescenta Scheffer.

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