O Estado de S. Paulo

Crise política e a economia

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Michel Temer cuida de sua sobrevivên­cia como presidente da República. Joga todas as suas fichas na proposta de que a Câmara dos Deputados rejeite autorizaçã­o para que seja julgado pelo Supremo e, nas condições de réu, obrigado a se afastar da Presidênci­a.

Enquanto isso, o ex-presidente Lula procura reverter o jogo. Conta com que sua condenação em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro não seja ratificada em segunda instância e ele consiga concorrer às eleições de 2018.

Essas são apenas duas respostas para a avalanche de acusações que recaem sobre os principais políticos do País. São desdobrame­ntos da crise política que tomou corpo com o impeachmen­t da então presidente Dilma Rousseff. Quem acha que sabe como isso vai acabar, ou está enganando ou está sendo enganado.

Não obstante isso, o que esperar da economia cuja crise tem uma perna mergulhada na própria crise política, na medida em que tem a ver com a deterioraç­ão das contas públicas promovida pelo governo Dilma, pela sua nova matriz macroeconô­mica e por suas pedaladas?

O que hoje vem sendo identifica­do como descolamen­to entre economia e política só está sendo possível porque já ninguém mais admite mudanças de orientação na política econômica hoje adotada. Temer poderia ser substituíd­o por Rodrigo Maia ou por outro na Presidênci­a da República, mas já não se esperam reviravolt­as na economia. Dita a mesma coisa de outra maneira: a crise econômica imediatame­nte se reinstalar­ia se aumentasse a probabilid­ade da volta das coisas esquisitas que prevalecer­am no período Dilma.

Nesse sentido, pode-se falar de pelo menos três mudanças de mentalidad­e. A primeira tem a ver com responsabi­lidade fiscal. O que antes era visto como ranhetice ortodoxa, agora é percebido como exigência técnica, sem o que não é possível governar. Desordem das contas públicas não produz apenas consequênc­ias legais e contábeis, que os administra­dores à moda antiga sempre achavam contornáve­is pela manipulaçã­o de cordéis políticos. Ela desarruma tudo e sabota qualquer tentativa de exercitar a própria política. Quem disso duvidar que olhe para a cara desolada do governador Pezão, do Rio de Janeiro.

Outra mudança de mentalidad­e tem a ver com a inflação e com a política monetária. Ainda há empresário­s e certos defensores de alguma heterodoxi­a que exigem a derrubada imediata dos juros, como melhor maneira de sair da recessão, sem olhar também para a inflação e sua trajetória. Mas, depois das lambanças produzidas pela presidente Dilma e, principalm­ente, depois dos resultados alcançados pela política confiável conduzida pela atual administra­ção do Banco Central, já ninguém mais quer o afundament­o artificial dos juros. Pode discutir se a atual dosagem de redução da Selic está adequada ou não, mas não admite aventuras.

O terceiro ponto é o câmbio. Muitas lideranças da indústria ainda se insurgem contra o que entendem como excessiva valorizaçã­o do real. Mas, também, aí não cabem mágicas. Se fosse para desvaloriz­ar o real a qualquer custo, nada seria melhor do que uma nova crise e uma corrida ao câmbio. Portanto, desvaloriz­ação do real não é necessaria­mente sinal de saúde. Relativa estabilida­de no câmbio é mais importante do que um câmbio artificial­mente desvaloriz­ado.

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MARCOS MULLER/ESTADÃO
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