Aventuras sonoras para reverenciar Smetak
Concerto na Sala São Paulo com o Ensemble Modern de Frankfurt celebra músico suíço descobrindo novas criações
Música nova é sempre sinônimo de surpresa, risco, aventura. A graça, nesse tipo de concerto, está no exercício inusitado de ficar com os sentidos aguçados, em alerta. Praticar, em suma, a escuta ativa. Afinal, não é sempre que compartilhamos as aventuras das músicas do nosso tempo no momento em que são criadas.
No magnífico concerto de quarta, 12, não só o palco, mas também a plateia da Sala São Paulo foram literalmente ocupados pelos músicos do Ensemble Modern de Frankfurt, que fazem uma curta, porém bendita, residência na atual edição do Festival de Campos do Jordão.
Reinventar Smetak, o título do concerto, é descobrir novas criações musicais, mas, especialmente no caso do músico suíço, também conhecer instrumentos inéditos. Em seu caso, criar música também é inventar instrumentos capazes de capturar os sons microtonais nas décadas radicado em Salvador, na Bahia. Se tivesse escolhido Los Angeles, quando veio para as Américas, hoje seria tão conhecido (e reconhecido) como o norte-americano Harry Partch, sua alma musical quase gêmea.
O projeto Smetak do Ensemble Modern maturou por quase três anos, desde 2015, com palestras de especialistas como o brasileiro Marco Scarassatti (excelente compositor e profundo conhecedor de Smetak, incompreensivelmente não convidado a criar uma obra inédita para o projeto) e duas viagens a Salvador para todos conhecerem as 150 “plásticas sonoras”, os instrumentos criados por Smetak, e o ambiente caleidoscópico em que viveu.
Quatro peças foram encomendadas a três brasileiros e uma australiana. Três plásticas sonoras de Smetak, em réplicas ou restauradas, sobressaíram no palco (entre elas, a vina, violoncelo com cabaças, sua obra-prima) onde foram tocadas as novas obras.
...Tak-Tak...Tak..., do brasileiro Arthur Kampela, 55 anos, proporcionou a viagem mais smetakiana da noite. Percussionistas espalhados em pontos estratégicos da Sala São Paulo estabeleceram o clima sonoro ideal para o instrumentarium no palco, que incluía um imenso guarda-chuva, a “árvore elástica”, inventado por Kampela. Vinte minutos de aventuras sonoras inteligentes e a melhor música da noite.
Instrumentarium, de Daniel Moreira, 32 anos, impressionou pela fusão precisa entre o som e o vídeo com trechos de O Alquimista, feito por José Walter Lima em 1978 e restaurado em 2009. Aliás, ótimos os vídeos raros documentando Smetak em ação, rodeado de seu instrumentarium. Em Ronda – The Spinning World, da australiana Liza Lim, 50 anos, o ponto alto foi o duelo de dois “cretinos” (mangueiras de jardim com funil). Volvere, do baiano de Salvador Paulo Rios Filho, 30 anos, falhou na proposta de carnavalizar Smetak. Na década de 1960, Gilberto Mendes fez isso muito melhor (Santos Football Music).
Música nova é isso. Risco, surpresa, aventura. Atributos essenciais que a vida musical convencional raramente proporciona.