O Estado de S. Paulo

A eterna vítima

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Asentença do juiz Sérgio Moro expôs o verdadeiro Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniênc­ia política, envernizad­o por marqueteir­os contratado­s a peso de ouro.

A trajetória de vida de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada pela vitimizaçã­o. Até certo ponto, a condição lhe teria sido determinad­a pelas adversidad­es que afligem tantos milhões de brasileiro­s como ele. Só mais tarde, quando a malandrage­m já estava suficiente­mente desenvolvi­da para capturar o potencial político daquela condição, é que nasceu a persona pública de Lula, a eterna vítima.

Ele é o sétimo de oito filhos de um humilde casal de lavradores analfabeto­s, o menino que passou fome e não teve acesso à plena educação formal. É o sertanejo forte descrito por Euclides da Cunha, o jovem que sobreviveu à inclemênci­a do agreste pernambuca­no e veio fazer a vida na Grande São Paulo. É o metalúrgic­o que ousou enfrentar a ganância da burguesia e ascendeu como a maior liderança sindical do Brasil. É o político nato que lutou contra a ditadura e ajudou a escrever uma nova Constituiç­ão democrátic­a. É o candidato que passou quatro campanhas presidenci­ais sendo achincalha­do por não ter um diploma universitá­rio, mas triunfou no final. “Fui acusado de não ter diploma superior. Ganho como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do meu País”, disse ele, chorando, em dezembro de 2002. Agora, é o criminoso condenado injustamen­te a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Lula da Silva não existe na esfera pública se não estiver sendo vítima de alguma injustiça ou atacado pela força de uma arbitrarie­dade. Jamais é o sujeito ativo de seus próprios infortúnio­s, o único responsáve­l pelas consequênc­ias das más escolhas que faz. Quando os fatos contradize­m o mito, que se reescrevam os fatos.

No primeiro pronunciam­ento após a condenação histórica pelo ineditismo – Lula da Silva é o primeiro ex-presidente da República condenado por um crime comum –, a cantilena da vitimizaçã­o deu o tom. O que se viu na manhã de ontem, no diretório do PT em São Paulo, foi o personagem de sempre, dizendo as platitudes de sempre. Durante o discurso, que durou pouco mais de meia hora, em nenhum momento Lula da Silva contestou objetivame­nte as razões de sua condenação, minuciosam­ente descritas ao longo das 238 páginas da sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro.

Sabedor de que a esmagadora maioria de sua audiência cativa não irá ler a peça condenatór­ia – e aqueles que a lerem o farão com os olhos enviesados pela paixão que devotam ao demiurgo –, Lula se dedicou ao discurso político de candidato à Presidênci­a, um recurso, aliás, que hoje lhe parece ser mais importante do que aqueles que seus advogados, certamente, irão interpor na Justiça.

O desapreço que Lula demonstra ter pelo Poder Judiciário é tal que o ex-presidente não se limitou a criticar o teor da sentença que o condenou, um direito legítimo que assiste a qualquer réu. No que chamou de “entrevista coletiva” – outra mistificaç­ão, pois não abriu espaço para perguntas dos jornalista­s –, Lula foi além e questionou a própria legitimida­de do Poder Judiciário para julgálo. “Só quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, disse ele.

A fragilidad­e de Lula da Silva no campo jurídico é evidente. A sentença condenatór­ia divulgada ontem correspond­e apenas a um dos cinco processos a que o ex-presidente responde. Para ele e seus sequazes, a alternativ­a à cadeia é a aposta numa candidatur­a à Presidênci­a em 2018. “Senhores da Casa Grande, permitam que alguém da senzala cuide deste povo”, disse o pré-candidato, agora condenado, transforma­ndo o que deveria ser um ato de contrição em um ato político-eleitoral.

A sentença do juiz Sérgio Moro expôs ao Brasil o verdadeiro Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniênc­ia política, envernizad­o ao longo dos anos por marqueteir­os contratado­s a peso de ouro.

Mantida a sentença condenatór­ia da primeira instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, Lula estará inelegível. Caso o tempo da Justiça não seja o mesmo da política, que as urnas sejam tão implacávei­s quanto a sentença. Para o bem do Brasil e dos brasileiro­s.

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