O Estado de S. Paulo

Em terreno movediço

- ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Acaravana de Temer avança em terreno movediço. Chama a atenção a rapidez com que o quadro político vem mudando, desde que a Procurador­ia-Geral da República (PGR) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia criminal contra o presidente.

Passadas quase três semanas, o plano de jogo do Planalto já não parece tão fácil. Às voltas com um contundent­e parecer favorável à admissibil­idade da denúncia, apresentad­o por relator do seu próprio partido, Temer viu-se obrigado a apelar para o jogo bruto da substituiç­ão de mais de uma dezena de titulares da Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) da Câmara, para impedir que tal parecer viesse a ser respaldado pela comissão. E, com a demora na discussão da questão na CCJ, o Planalto vem-se dando conta de que talvez não consiga que a votação no plenário ocorra antes do recesso parlamenta­r. Não são dificuldad­es fortuitas. Decorrem de um processo mais amplo de crescente desalento do Congresso com a capacidade de resistênci­a do presidente às sucessivas denúncias da PGR, em meio a prováveis delações premiadas de figuras que lhe eram muito próximas. Não vendo mais em Temer perspectiv­a de poder atraente, boa parte da base governista passou a apostar no seu afastament­o. Tendo trocado Dilma por Temer, parece cada vez mais propensa a trocar Temer por Rodrigo Maia.

Ainda é cedo para afirmar que o presidente será de fato afastado e interiname­nte substituíd­o por Rodrigo Maia, até que seja julgado pelo STF. Mas é com este cenário que grande parte do sistema financeiro e do empresaria­do passou a trabalhar. E, para manter um mínimo de tranquilid­ade, diante da perspectiv­a de mais um solavanco político de grandes proporções, o mercado agarra-se agora à narrativa de que a equipe econômica de Temer será integralme­nte mantida por Rodrigo Maia e que, portanto, a condução da política econômica não será alterada.

Noticiou-se até que, para ser mantido como ministro da Fazenda durante a administra­ção de Rodrigo Maia, Henrique Meirelles exigiria autonomia ainda maior do que já tem, inclusive para escolher a “cúpula do BNDES”

(Folha, 9/7). Com esse último floreio, a narrativa ofereceria tranquilid­ade aos que se alarmaram com a dissonânci­a que o novo presidente do BNDES trouxe à condução da política econômica do governo Temer.

Uma das qualidades mais notáveis da atual equipe econômica tem sido sua capacidade de se manter coesa e de agir de forma coordenada, voando em perfeita formação, sem deixar que conflitos internos comprometa­m a eficácia de sua atuação, diante da enormidade das dificuldad­es e dos interesses contrariad­os que vem tendo de enfrentar. É por isso que tem sido fonte de grande apreensão ter o presidente do BNDES se permitido manter plano de voo próprio, ostensivam­ente divergente. Seu protagonis­mo na inconvenie­nte reunião com os governador­es no Alvorada, em meados de junho, para discutir a renegociaç­ão das dívidas dos Estados com o BNDES, já não causara boa impressão.

Mas o que o deixou a equipe econômica alarmada foi sua disposição de dar ressonânci­a a críticas especialme­nte virulentas do esforço de reconstruç­ão do BNDES e reabrir a discussão sobre a substituiç­ão da TJLP pela TLP, no momento em que a Medida Provisória pertinente está sendo tramitada no Congresso.

Há dois dias, contudo, o presidente do BNDES resolveu dar o dito por não dito. Declarou-se agora “totalmente vinculado” ao plano de voo da equipe econômica. Mas as acrobacias que se permitiu nas últimas semanas estão longe de ter sido sem custo. Impuseram à equipe econômica a lamentável perda de dois excelentes diretores do BNDES, Vinicius Carrasco e Claudio Coutinho Mendes.

Certamente há mais torcida do que análise na convicção do mercado de que, ocorra o que ocorrer no Planalto, a equipe econômica será preservada. Mas não há dúvida de que, para que o País tenha alguma esperança de chegar a bom destino, na difícil travessia até 2018, a equipe econômica terá de ser preservada. Mantê-la íntegra tornou-se crucial. Todo cuidado é pouco. ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUCRIO

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