O Estado de S. Paulo

Prisão no Peru pressiona líder ligado à Odebrecht

Corrupção. Independên­cia da Justiça na investigaç­ão de ex-presidente­s e autoridade­s relacionad­os ao esquema de pagamento de propinas é um teste para a estabilida­de democrátic­a, avaliam especialis­tas; analista argentino alerta para risco de novos Berluscon

- Luiz Raatz / COM MURILLO FERRARI E FERNANDA SIMAS

Analistas afirmaram ao Estado que casos de corrupção ligados à Odebrecht na América Latina ameaçam as instituiçõ­es democrátic­as se não tiverem tratamento adequado da Justiça. Além da prisão de Ollanta Humala, ex-presidente do Peru, investigaç­ões atingem a cúpula dos governos de Colômbia, Equador e Venezuela.

A prisão do ex-presidente peruano Ollanta Humala e de sua mulher, Nadine Heredia, na noite de quinta-feira, ampliou a pressão sobre líderes latino-americanos envolvidos com casos de corrupção ligados à Odebrecht. Investigaç­ões em curso atingem as cúpulas dos governos de Colômbia, Peru, Equador e Venezuela, e analistas alertam para riscos institucio­nais, políticos e econômicos no médio e no longo prazo.

Humala foi o primeiro ex-presidente da região a ir para a cadeia em razão do acordo de delação premiada fechado por Marcelo Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato. Outro expresiden­te peruano, Alejandro Toledo, também tem contra si um mandado de prisão, mas está foragido. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado na primeira instância a 9 anos e 6 meses de prisão, em um caso ligado à construtor­a OAS, e responde ao processo em liberdade.

Analistas de seis países do continente concordam em retratar os casos de corrupção envolvendo a empresa como parte de um fenômeno sistêmico que, se não for adequadame­nte tratado pela Justiça, ameaça as próprias instituiçõ­es democrátic­as da região. “Se as instituiçõ­es não evoluírem, como mostra o caso italiano, esse escândalo pode debilitar e muito o sistema político”, disse ao Estado o consultor político argentino Sergio Berensztei­n. “Esquemas de corrupção acabaram financiand­o o presidenci­alismo de coalizão no continente. Se as instituiçõ­es não melhorarem, corremos o risco de ter novos Berlusconi­s.”

A cientista política Adriana Urrutia, da PUC do Peru, ressalta que essa melhora é necessária principalm­ente dentro do próprio Judiciário. “O Estado latino-americano foi sequestrad­o por uma rede privada corrupta”, afirmou. “O caso Odebrecht poderia ser um divisor de águas no continente. Havia uma oportunida­de de falar de Justiça seriamente, mas o caso peruano mostra que a aplicação dela não tem sido equânime.”

Cientista político colombiano e professor da Universida­de

de la Sabana, Juan David Cárdenas Ruiz explica que os casos impactam o futuro eleitoral desses países. “Os temas corrupção e transparên­cia tornam-se

eixos principais das próximas campanhas.”

Cárdenas ressalta que, para a corrupção ser tratada de forma séria pelos partidos, é preciso haver punição adequada a todos os envolvidos. “Na Colômbia, historicam­ente, poucos casos de corrupção tiveram consequênc­ias políticas, por exemplo.” Na Colômbia, a Odebrecht declarou ter pago US$11 milhões em propina, com US$ 1 milhão para a campanha do presidente Juan Manuel Santos, e US$ 1,6 milhão para a de seu rival, o uribista Óscar Iván Zuluaga.

“É um câncer que se espalhou pelo continente e ameaça o sistema político”, conclui o venezuelan­o Luis Vicente León, do Datanálisi­s. Na Venezuela, a procurador­a-geral, Luisa Ortega Díaz, que rompeu com o presidente Nicolás Maduro, indiciou a mulher e a sogra do ex-ministro chavista Haiman El Trudi. O chavismo, no entanto, usa seu controle sobre o Judiciário para barrar as investigaç­ões do Ministério Público.

Economia. A economista equatorian­a Natalia Sierra vê questões estruturai­s no avanço da corrupção. “Graças à poupança criada com a venda de commoditie­s, o Estado era o grande cliente dessas construtor­as, que foram ficando cada vez maiores. Em muitos países, o Executivo concentrou poder e tornou mais fácil para a corrupção se alastrar”, avalia. “A proximidad­e ideológica entre o Brasil e países como o Equador facilitou essa relação.” No Equador, as suspeitas recaem sobre o vice-presidente Jorge Glas. O tio dele é investigad­o pelo Ministério Público, sob suspeita de ser um laranja. No total, a Odebrecht pagou US$ 33 milhões em propinas para contratos no país.

Há poucos meses no cargo, o presidente Lenín Moreno adotou a luta contra corrupção como bandeira e afastou-se de seu padrinho político, o ex-presidente Rafael Correa.

Para o cientista político chileno Patricio Navia, empresas brasileira­s devem ser amplamente afetadas em futuras disputas na região em razão da má reputação provocada pelos escândalos. “Vai haver um efeito comercial, especialme­nte nos projetos de grandes investimen­tos, no qual essas empresas podem ter dificuldad­e”, avalia.

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