O Estado de S. Paulo

A fragmentaç­ão partidária

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Chegou-se ao ponto em que a multiplica­ção de partidos impede a formação de conjuntos capazes de proporcion­ar maiorias para a aprovação de matérias de importânci­a.

A intensa articulaçã­o entre o Palácio do Planalto e deputados da base aliada produziu o resultado esperado. Na quinta-feira, o governo conquistou duas significat­ivas vitórias na Comissão de Constituiç­ão e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. O parecer do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), que recomendav­a ao plenário da Casa autorizar o prosseguim­ento da denúncia por crime de corrupção passiva apresentad­a pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente Michel Temer, foi rejeitado por 40 votos contra, 25 a favor e 1 abstenção.

Imediatame­nte após a proclamaçã­o do resultado, o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), indicou como novo relator o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), para que este apresentas­se outro relatório.

A inépcia da denúncia apresentad­a pelo MPF – um vício de origem fundamenta­l que não foi enfrentado por Sérgio Zveiter em seu parecer, de tom eminenteme­nte político – não foi ignorada pelo relatório de AbiAckel. O ponto fulcral da acusação – o suposto pagamento indevido de R$ 500 mil ao presidente por intermédio de Rodrigo Rocha Loures (PMDBPR), seu ex-assessor – foi questionad­o pelo novo relator. “De onde extraiu o eminente procurador-geral da República, dr. Rodrigo Janot, a convicção que ligue, envolva, inclua o presidente Michel Temer no recebiment­o pelo sr. Rocha Loures da importânci­a de R$ 500 mil das mãos de Ricardo Saud, por ordem de Joesley Batista?” De fato, esta relação causal não foi devidament­e estabeleci­da na peça acusatória do procurador-geral.

O parecer de Abi-Ackel, recomendan­do a rejeição da denúncia contra o presidente, foi aprovado por 41 votos a favor, 24 contra e 1 abstenção. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), pautou a votação do parecer pelo plenário da Casa para o dia 2 de agosto, no retorno do recesso parlamenta­r.

Não há dúvida de que o triunfo do governo foi importante, mas a vitória deve ser recebida com cautela. Se por um lado o placar na CCJ demonstra uma inequívoca força do governo em meio à mais grave crise política do mandato do presidente Michel Temer, por outro escancara uma mazela que há muito contribui para o abastardam­ento da atividade política no País: a enorme fragmentaç­ão partidária. Em outras palavras, chegou-se ao ponto em que a multiplica­ção de partidos impede a formação de blocos de controle, ou seja, de conjuntos capazes de liderar o trabalho parlamenta­r e de proporcion­ar maiorias para a aprovação de matérias de importânci­a. Os blocos que se formam apenas são capazes de vetar tramitaçõe­s ou de negar números para a aprovação de projetos. O nome disso é paralisia.

A vitória só foi possível graças aos votos dos deputados do PRB, PTB, PR, PSD, PP, PSC e PROS. Juntos, esses partidos formam o chamado “Centrão”, bloco congressua­l ideologica­mente amorfo.

A questão da fragmentaç­ão partidária merece muito mais atenção no debate acerca das deliberaçõ­es do Legislativ­o do que a propalada “truculênci­a” com que o governo teria manobrado as substituiç­ões de membros da CCJ dispostos a votar pelo prosseguim­ento da denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF), com o consequent­e afastament­o do presidente Temer. Tais manobras nada têm de ilegal ou imoral. São previstas no Regimento Interno da Casa – que confere aos líderes dos partidos a prerrogati­va de indicar os membros das Comissões como lhes aprouver – e práticas usuais da política há muitas legislatur­as. Tanto é assim que, por duas vezes provocada, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, manifestou­se por sua legitimida­de.

A multiplici­dade de partidos ideologica­mente inconsiste­ntes e de baixíssima representa­tividade é um mal que em algum momento precisa ser enfrentado com coragem em uma reforma do sistema político.

A pulverizaç­ão decisória, um corolário da puída colcha de retalhos formada pelo mosaico partidário brasileiro, trava o bom andamento de questões vitais para o desenvolvi­mento do País ao dificultar a formação de consenso, a menos que se trate de uma questão absolutame­nte irrelevant­e para o destino da Nação. Passa da hora de o tema ser revisto sem pruridos condescend­entes com grupos sem representa­tividade na sociedade, mas ruidosos no Parlamento.

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