O Estado de S. Paulo

Outro Refis escandalos­o

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Deputado beneficia maus pagadores com vantagens que escarnecem do contribuin­te honesto.

De falta de coerência não se pode acusar o deputado federal Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG). Se tiver de decidir entre a proteção dos interesses do Tesouro Nacional e a concessão de generosos benefícios ao contribuin­te que, muitas vezes por dolo e ocasionalm­ente por dificuldad­es financeira­s temporária­s, não recolheu os tributos devidos no prazo e nas condições determinad­as por lei, Cardoso não hesitará em escolher a segunda hipótese. Fez isso sem pudor quando foi relator da Medida Provisória (MP) n.º 766 – que o governo preferiu deixar caducar, tão nocivas ao Tesouro e à moralidade tributária eram as emendas incorporad­as por Cardoso ao texto original –, e acaba de fazê-lo novamente. Outra vez escolhido por seus pares na comissão mista do Congresso para relatar a nova MP negociada pelo governo com os congressis­tas para substituir a que perdeu validade, o deputado voltou a beneficiar os maus pagadores com vantagens tais que escarnecem do contribuin­te honesto e desmoraliz­am o sistema tributário.

Mesmo fazendo profundas mudanças no texto da MP 783 que fora previament­e negociado pela equipe técnica do Ministério da Fazenda com parlamenta­res, o parecer de Cardoso foi aprovado pela comissão mista do Congresso. A MP 783, que substituiu a 766, cria o Programa Especial de Regulariza­ção Tributária (Pert), que na versão anterior tinha um nome mais curto, Programa de Regulariza­ção Tributária. Sua essência, porém, é a mesma, pois foram editadas para permitir que contribuin­tes em atraso regularize­m sua situação, por meio da renegociaç­ão de suas dívidas tributária­s de acordo com determinad­as condições.

Dezenas de programas desse tipo, conhecidos como Refis, foram criados pelo governo nos últimos anos, facilitand­o a vida de contribuin­tes em atraso e propiciand­o à Receita Federal um aumento temporário da arrecadaçã­o, visto que, em todas as modalidade­s de negociação, o contribuin­te precisa recolher à vista determinad­a parte de sua dívida.

A primeira versão do novo Refis permitia que o contribuin­te em atraso pagasse à vista e em dinheiro 20% da dívida e liquidasse o restante com créditos que tivesse com a Receita. Poderia escolher pagar em dinheiro 24% da dívida em 24 parcelas mensais e acertar o restante com créditos ou em parcelas mensais.

Relator da primeira versão da MP, o deputado Newton Cardoso Jr. ampliou para 99% a possibilid­ade de abatimento dos juros da dívida do contribuin­te que renegocias­se os impostos atrasados e para 90% o desconto da multa. O número máximo de parcelas foi duplicado pelo relator, de 120 para 240 meses. Obviamente, o resultado para a Receita seria bem menor do que o esperado.

Além disso, Cardoso concordou em acrescenta­r à MP original diversas outras medidas, conhecidas como “jabutis”, o que levou o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), a mandar a comissão mista excluí-las do texto. Ao ver sua ordem ignorada, determinou que o plenário da Câmara dos Deputados o fizesse, quando votasse a proposta.

Isso atrasou a votação da MP 766, que perdeu validade. No relatório da nova MP, Cardoso novamente aumentou para 99% o desconto dos juros e da multa das dívidas, criou o parcelamen­to das dívidas resultante­s de multas por sonegação, ampliou o prazo para adesão ao novo Refis, multiplico­u por 10 o valor-limite para abater cumulativa­mente créditos fiscais e descontos nos encargos e reduziu de 7,5% para 2,5% o valor mínimo do pagamento à vista.

Se essas mudanças forem aprovadas pela Câmara e pelo Senado, ficará ameaçada a meta do governo de arrecadar R$ 13,3 bilhões este ano com o novo Refis. Essa receita é necessária para o cumpriment­o da meta fiscal de 2017. O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, que participou das negociaçõe­s do texto da MP 783, se disse surpreendi­do com as mudanças. “Não dá para ter acordo e não honrar”, disse. Se as mudanças forem aprovadas, caberá ao presidente da República vetá-las, em nome dos contribuin­tes que cumprem suas obrigações.

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