O Estado de S. Paulo

MONT BLANC ERA A VISTA DE ‘SÓCIO’ DE ZELADA

Raul Schmidt, alvo da Lava Jato, foi detido no ano passado e hoje está em prisão domiciliar

- Jamil Chade

De um lado, tradiciona­is vinhedos de uma das encostas mais valorizada­s da Suíça. De outro, a vista do lago Leman. Ao fundo, o pico gelado do Mont Blanc. Nesse cenário vivia o lobista Raul Schmidt Felippe Junior. Alvo da Lava Jato, Schmidt é apontado como sócio de ex-diretores da Petrobrás e também como operador de propinas ao PMDB no esquema.

A casa, segundo imobiliári­as locais, foi vendida por US$ 3,5 milhões em 2009. Atualmente, com o boom no mercado da região, a estimativa é de que ela pode valer até US$ 6 milhões (cerca de R$ 20 milhões).

De acordo com procurador­es brasileiro­s consultado­s pelo Estado, a força-tarefa da Lava Jato desconheci­a a existência desse endereço. Hoje, porém, ele está sob embargo da Justiça da Suíça, que investiga Schmidt e congelou também suas contas.

Schmidt foi considerad­o foragido de julho de 2015 a março de 2016, quando foi preso em Portugal, na Operação Polimento. Réu em uma ação penal em Curitiba, ele aguarda, em prisão domiciliar, por uma decisão sobre o pedido de extradição. No Brasil, o lobista já teve um habeas corpus rejeitado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A defesa estuda, agora, pedir um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em relação ao mandado de prisão expedido pelo juiz federal Sérgio Moro.

Enquanto isso, o endereço a cerca de 40 quilômetro­s de Genebra está fechado. Vizinhos do imóvel na cidade de 2 mil habitantes disseram à reportagem que identifica­ram Schmidt de fotos nos jornais publicadas quando ele foi detido. Desde então, a casa parece abandonada.

Mistério. Na vizinhança, os comentário­s são de que, desde a prisão, acabaram as “festas com música até tarde”, muitas vezes à beira de uma piscina aquecida com vista privilegia­da. Quando a reportagem esteve no local, todas as janelas da casa estavam fechadas. A piscina estava coberta e a jacuzzi, lacrada.

A fama de Raul Schmidt no vilarejo era de um morador misterioso. Alguns o conheciam como um operador no mercado de artes, sem saber exatamente o que isso significav­a. Para outros, ele era apenas o dono de um cachorro que perturbava a tranquilid­ade do vilarejo com seu latido constante.

Os moradores também relataram que, desde que chegou ao local, Schmidt foi o único que ergueu “barreiras” no imóvel. A casa tem um imenso portão cinza, o que levou vizinhos a apelidá-la de “cofre-forte”. Árvores também foram plantadas para “proteger” o local.

Em maio do ano passado a propriedad­e foi embargada pelo Ministério Público suíço, a fim de evitar que Schmidt vendesse o imóvel. “Essa decisão visa a manter sob sequestro a parcela (de terra) para impedir sua eventual venda e permitir, em caso de decisão, seu confisco”, afirmou o Ministério Público em Berna, em resposta por email ao Estado. Em Rolle, uma das agências imobiliári­as da região confirmou que a casa chegou a estar à venda há pouco mais de um ano.

O advogado de Schmidt, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que soube do imóvel porque o empresário comentou que tinha uma casa na Suíça, perto de Genebra. Questionad­o se Schmidt morava no local, o advogado afirmou desconhece­r os detalhes. “Não sei como ele comprou a casa dele.”

Investigaç­ão. No Brasil, o lobista é acusado de ter feito pagamentos de propinas a pelo menos três ex-diretores da Petrobrás – Renato Duque, Nestor Cerveró e Jorge Zelada – em esquema que envolveria nomes ligados ao PMDB. Com Zelada, mantinha a empresa TVP Solar, em Genebra. A suspeita é de que ele teria feito parte de operações para camuflar recursos desviados da estatal.

Em maio deste ano, Tribunal Federal da Suíça rejeitou um recurso apresentad­o por Schmidt e sua mulher e decidiu repassar ao Brasil e a investigad­ores da Noruega detalhes sobre nove contas que ele possui na Suíça. Em três delas, milhões de dólares estariam bloqueados.

Documentos mostram que Schmidt teria feito a transferên­cia de US$ 14 milhões para uma conta em Mônaco em nome de um ex-diretor da Petrobrás. Entre 1980 e 1997, ele trabalhou na estatal. Depois, passou a representa­r empresas estrangeir­as interessad­as em fazer negócios com a empresa brasileira.

Uma delas é a norueguesa Sevan, da qual se tornou sócio em 2001. Uma apuração interna feita pelo grupo já concluiu que a companhia “provavelme­nte” pagou milhões em propinas por contratos com a Petrobrás.

Segundo investigaç­ões, 300 milhões de coroas norueguesa­s (R$ 141 milhões) podem ter sido enviados para contas na Suíça, Ilhas Virgens Britânicas, Panamá e Mônaco. A suspeita é de que parte desse dinheiro tenha sido usado para “corromper” ex-dirigentes da Petrobrás. A empresa norueguesa teria usado Schmidt para fazer os pagamentos de propinas.

Na ação penal da qual Schmidt é réu no Brasil, ele é acusado pelo crime de corrupção passiva junto com o lobista João Augusto Henriques, também apontado como operador de propinas ligado ao PMDB, partido que, segundo a força-tarefa da Lava Jato, dava sustentaçã­o política para Zelada permanecer no cargo de diretor da Petrobrás.

Segundo a denúncia, Schmidt apresentou Henriques a Hamylton Padilha, representa­nte da empresa Vantage Drilling, “a fim de iniciar as tratativas relacionad­as ao pagamento da propina relativa à parte do PMDB”.

Extradição. Schmidt também tem nacionalid­ade portuguesa e Kakay disse esperar que a extradição não será concedida pela Justiça em Portugal. “Estamos com a expectativ­a grande de conseguir ganhar esse processo de extradição”, afirmou o advogado. “A defesa foi apresentad­a e estamos esperando a manifestaç­ão do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa. Se nós ganharmos, ele é português e ficará em Portugal.”

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FOTOS: JAMIL CHADE/ESTADAO Vazio. Janelas fechadas e piscina coberta desde a prisão
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Encosta. Região tem vinhedos e vista para o Lago Leman
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Cartas. Caixa de correio ainda tem nome do empresário

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