O Estado de S. Paulo

Céu de brigadeiro

É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

Nenhuma nuvem no céu de Paris. E nenhuma nuvem no encontro de Emmanuel Macron com Donald Trump. O presidente americano estava feliz, amável, humilde, conciliado­r, sensato, discreto, tímido. Algo mudou. Macron estava radiante, mas aí não houve nenhuma mudança.

A felicidade de Trump é compreensí­vel. Finalmente, ele encontrou um chefe de Estado que estava animado em recebê-lo e não fez insinuaçõe­s sobre seus erros. Ao contrário: Macron, ao lado de sua mulher, a bela Brigitte, deu tapinhas nas costas de Trump, falou ao seu ouvido, e os dois riram como meninos. Brigitte, de branco, e Melania, de vermelho, admiraram a sublime catedral de Notre Dame.

Mas havia outra razão para o bom humor de Trump. Ele admitiu diversas vezes que adora paradas militares e gostaria de fazer uma em Washington no feriado nacional, mas lhe disseram que era caro demais. Como a França continua seguindo as tradições e é muito boa em desfiles de soldados, Trump ficou feliz em ver seus legionário­s, combatente­s, soldados, tanques, etc.

A gente entende Trump: assistir à parada militar na tribuna de honra e passar umas horas longe de Washington – onde não há nada além de víboras, jornalista­s vingativos e filhos encrencado­s, como Trump Jr. – foi como respirar ar fresco. Além disso, Macron foi muito gentil. Programou passeios refinados e intelectua­is, um itinerário religiosam­ente percorrido por todos os turistas que invadem a capital a cada verão: Notre Dame, Palácio dos Inválidos, Arco do Triunfo, Champs-Elysées, túmulo de Napoleão. Uma Paris de “cartão-postal” em tamanho real.

Macron também estava feliz. Primeiro porque, assim como Trump, é fã de cerimônias, paradas, clarins e soldados. Segundo, porque segue estreitand­o laços – muitas vezes de admiração – com chefes de Estado estrangeir­os.

Em dois meses, ele encantou Putin, Trump e até Merkel, que adorava o expresiden­te François Hollande. O presidente chinês ainda não visitou Paris, mas a popularida­de – até mesmo a fama – de Macron está no auge na China, assim como em quase todos os outros países.

Então, foi um lindo dia para todo mundo. Mas não sem uma desafinada, ironicamen­te, com esse mesmo Exército, que fez um belo desfile na ChampsElys­ées. Na véspera do 14 de Julho, o general Pierre de Villiers, chefe do Estado-Maior, disse perante uma comissão da Assembleia Nacional que o Exército não aguenta mais. Empenhadas em todos os frontes, as Forças Armadas estão “no osso”. Faltam recursos, equipament­os e todos os homens estão esgotados. E, ainda por cima, Macron cortou ¤ 1 bilhão para equilibrar o orçamento. O general encerrou sua fala com essas palavras insólitas, mas resolutas: “Não vou deixar que eles me f...”.

Macron respondeu no dia seguinte. Aproveitan­do a presença do alto escalão militar na festa do 14 de Julho, disse: “Não penso que seja digno trazer certas questões para a praça pública. Assumi compromiss­os. Sou o líder. Os compromiss­os que assumi, saberei honrá-los. Não preciso de nenhuma pressão, de nenhum comentário.” Foi de arrepiar.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil