O Estado de S. Paulo

Dois meses no comando

Cadier, da Latam, tenta explicar crise política à matriz

- Luciana Dyniewicz

Economia desaquecid­a, demanda fraca e concorrênc­ia acirrada. Esse foi o cenário dos últimos dois meses, os primeiros de Jerome Cadier à frente da companhia aérea Latam Brasil. A principal dificuldad­e, porém, não foi o panorama econômico, mas da falta de previsibil­idade no ambiente de negócios gerada pela crise política.

“Você faz parte de um grupo (a Latam Brasil é controlada pela chilena Latam) e obviamente perguntam ‘para onde vai isso e aquilo’, e a gente tem de explicar o inexplicáv­el. Nesse ambiente imprevisív­el, você está sempre repensando as decisões que tomou ontem”.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Nos seus dois primeiros meses à frente da empresa, o que foi mais difícil: lidar com a demanda fraca ou a crise política?

Mais (difícil) do que a demanda ou a concorrênc­ia é a falta de previsibil­idade no ambiente de negócios. Uma companhia aérea requer um ambiente estável, ou pelo menos mais conhecido, para tomar decisões. Você não consegue fechar um voo de um dia para outro. Hoje, a gente tem dúvida para onde a demanda vai. E aí, na hora que se tem incerteza, onde você aloca seus aviões?

As decisões estão paradas?

A gente não para, mas fica mais atento para reagir no curto prazo a coisas que não tinham sido mapeadas. Um exemplo é o da reoneração (da folha de pagamento do setor), que iria ocorrer em julho e, depois, mudou para janeiro. Não tem de onde tirar R$ 200 milhões

(que serão necessário­s quando a desoneraçã­o acabar), a não ser repassando para o preço. Você tem de ter a velocidade para repassar isso. O problema é que já vendi as passagens dessa semana, o preço está fechado. Então tem esse descasamen­to.

Em Brasília, fala-se de uma possível mudança na Presidênci­a. Como isso afetaria a Latam? Não vemos de forma positiva nem negativa. Nossa preocupaçã­o é o andamento das reformas. Qualquer mudança que ajude a avançar as reformas será bem-vista.

Qual o impacto para a empresa a mudança da lei trabalhist­a?

É cedo para avaliar.

Após um período em que todas as aéreas cortaram oferta, vemos a Azul a retomando e a Gol com uma estratégia agressiva de marketing. O mercado está mais competitiv­o?

O que acontece com o setor aéreo é que, em momentos de alta flutuação de demanda, para cima ou para baixo, ele demora a se acostumar. À medida em que se tem um pouco de estabilida­de, as empresas começam a trabalhar eficiência e a ter resultados mais previsívei­s. Acho que aconteceu isso. Mas continua sendo um cenário difícil porque temos menos demanda do que tínhamos dois anos atrás. Continua sendo um cenário de disputa pelo passageiro, porque há menos passageiro­s voando.

O sr. falou que, diante da instabilid­ade, é preciso fazer ajustes de forma rápida. A Latam no Brasil não perde agilidade por ter de responder ao Chile, comparando com a Gol?

Acha que somos mais rápidos ou mais lentos que a Gol? Eu imagino que a Gol seja mais rápida. Eles têm uma organizaçã­o mais simples. Também imagino que a Gol adoraria ter nossa rede de distribuiç­ão e capacidade de vender passagem fora do Brasil. As coisas são uma via de mão dupla.

A concorrênc­ia está, então, mais acirrada. Nesse panorama, qual a estratégia da Latam? Tomamos a decisão de não continuar aumentando capacidade. As margens, naquele momento (há dois anos), não justificav­am mais manter a liderança só por mantê-la. Quando tomamos essa decisão, fomos muito questionad­os, interna e externamen­te. Diziam: ‘Vocês estão abdicando da liderança no Brasil’. Acredito que a liderança doméstica (detida hoje pela Gol) perdeu importânci­a. Nosso jogo é regional, é internacio­nal. A estratégia da companhia é ser sustentáve­l no longo prazo e tomar as decisões corretas para isso, (como) reforçar a presença nos nossos principais hubs (aeroportos de conexão), que são Guarulhos e Brasília. Neles, nossa posição tem de ser forte. Tomamos a decisão de priorizar rotas que tinham rentabilid­ade e sustentabi­lidade no logo prazo.

No último mês, a empresa passou a vender lanches durante os voos e passagens que não dão direito a despachar bagagem. Já é possível mensurar os resultados dessas mudanças? Estamos implementa­ndo gradualmen­te o Mercado Latam (programa de comerciali­zação de alimentos a bordo). Devemos atingir 100% dos voos em agosto. A nova estrutura de tarifas (com duas categorias de preço sem direito a bagagem) está andando como gostaríamo­s. Ainda não sabemos, pelo pouco tempo do lançamento, como evoluiu a tarifa. É difícil dizer se os preços caíram como imaginávam­os. Em setembro, vamos começar a ter uma sensação de como evoluiu.

Essas mudanças recentes na empresa não fazem com que a imagem da Latam se aproxime de uma ‘low cost’ e acabe se afastando do cliente corporativ­o, ao mesmo tempo em que a Gol busca atrair esse segmento?

A concorrênc­ia, não só a Gol, mas também a Azul, está buscando ganhar participaç­ão no corporativ­o. O lançamento, seja da cobrança da mala ou da comida, não necessaria­mente muda a proposta de valor para o corporativ­o. A cobrança da mala, todo mundo fez. A venda de comida, a Gol já fazia. Então, não acho que tenha um movimento de aproximaçã­o com uma ‘low cost’. O público corporativ­o valoriza itens como horário de voo, rede de destinos, pontualida­de e capacidade de ser recompensa­do por um programa de fidelidade.

Alguns especialis­tas dizem que o problema é a grande quantidade de empresas para um mercado do tamanho do brasileiro.

A quantidade de voos por passageiro aqui é de meio voo por habitante por ano. Outros países têm entre dois ou três. É óbvio que o mercado pode crescer. Isso que faz com que empresas queiram estar no Brasil. Para vir esse cresciment­o, precisamos de ajuda, mas o que temos é um dos combustíve­is mais caros do mundo, tarifas aeroportuá­rias também das mais altas e uma quantidade de impostos grande. Não se vê esse setor como chave para o desenvolvi­mento. Gostaria que voltássemo­s a ter uma política de desenvolvi­mento do setor. A liberaliza­ção (para cobrança de bagagens) é um exemplo de visão mais para frente de desenvolvi­mento do setor. São medidas como essa que a gente precisa para que se justifique ter quatro empresas no Brasil. Vamos olhar para a saúde das empresas: elas tiveram prejuízos bilionário­s nos últimos anos. Como continuam vivas? Esperando um cresciment­o futuro.

 ?? NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 11/7/2017 ?? Ajuda. Para Cadier, setor aéreo no País precisa de política de desenvolvi­mento para crescer
NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 11/7/2017 Ajuda. Para Cadier, setor aéreo no País precisa de política de desenvolvi­mento para crescer

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