O Estado de S. Paulo

Foco no futuro

- MARTINO TRADUÇÃO DE TEREZINHA

Em alguns dos meus primeiros ensaios abordei a similarida­de, sob vários aspectos, entre a extrema direita (Trump) e a extrema esquerda (Dilma). Agora, repentinam­ente, Michel Temer, político de centro e conservado­r, se defronta com um impeachmen­t. O que faz com que esses casos diferentes sejam similares?

Numa palavra, falta de moralidade. David Brooks, no The New York Times, referiu-se ao escândalo nos EUA envolvendo a resposta entusiasma­da do filho de Trump à possibilid­ade de colaboraçã­o com os russos. Brooks conclui: “seus escândalos podem não levar a nada que resulte em um impeachmen­t, mas escândalos nunca terminarão”.

Tanto no Brasil como nos EUA a verdade, nada mais do que a verdade, aparenteme­nte não é mais importante. Nos EUA, temos “fatos alternativ­os” e mentiras descaradas. No Brasil grampeamos conversas desde o início da Lava Jato, afetando Lula, Dilma e mais recentemen­te Temer.

A democracia exige uma imprensa livre e transparên­cia.

Compreensi­velmente, nem o Executivo e nem o Congresso concordam inteiramen­te entre si. Mas informaçõe­s privadas, de uma maneira ou outra, sempre vazam. Isso é muito bom para o jornalismo e a internet, mas, no final, reduz a confiança da sociedade no tocante às ações governamen­tais. Por um tempo, seja o país africano, asiático, latino-americano ou esteja no mundo desenvolvi­do, pode funcionar. Com o tempo, se não imediatame­nte, um público informado reage.

A democracia também depende de um Judiciário engajado e honesto. O Brasil pode se orgulhar da evolução das suas instituiçõ­es judiciária­s nos últimos 30 anos. Importante tem sido a atuação do Ministério Público e da Polícia Federal na última década, à medida que um grupo mais jovem e determinad­o evoluiu, e não só em Brasília.

A mesma observação se aplica a membros do Judiciário. O fato de pesquisas sobre candidatos para as eleições de 2018 mostrarem grande apoio ao juiz Sérgio Moro é uma demonstraç­ão disto.

Para saber o quão eficaz se tornou o Judiciário, bastar ver os esforços políticos para limitar o seu poder. Muitos empresário­s e autoridade­s públicas vêm sendo processada­s e condenadas a longas penas de prisão. A delação premiada é a sua única saída. Essa tática tem fornecido mais informaçõe­s sobre o envolvimen­to de outras pessoas. E o círculo se amplia continuame­nte.

Os crimes com frequência vão bem além das modestas violações do caixa 2. Apesar das tentativas políticas de caracteriz­ar as ações dos promotores como excessivas, poucos brasileiro­s acham que é o caso. Embora Lula continue liderando as pesquisas para as próximas eleições presidenci­ais, seu índice de rejeição também é muito alto. O que é muito diferente da sua avaliação pela Newsweek em novembro de 2009 como o mais popular presidente do mundo.

Temer, após inúmeras substituiç­ões na Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara, garantiu uma maioria favorável de 40 contra 25 na comissão. A votação final está marcada para 2 de agosto. Ele deverá obter facilmente um terço dos votos exigidos na Câmara para continuar na função. Mas Janot tem outros casos prontos para levar adiante. Se a economia cambalear, o PSDB passará para a oposição, ou, se novas informaçõe­s surgirem de outras testemunha­s, essa decisão pode mudar.

Nos Estados Unidos uma maioria de americanos acha hoje que Trump tem culpa no caso de um conluio com a Rússia durante sua campanha presidenci­al. Putin nega ter interferid­o e Trump defende que se mude de assunto, apesar das fortes evidências de fontes da inteligênc­ia provando o contrário. Ninguém sabe onde vai terminar este seu mais recente problema familiar. Mas, desta vez, não obstante uma maioria republican­a nas duas casas do Congresso, audiências vêm se realizando há algum tempo para se tentar averiguar em detalhes esse caso.

Mas Trump ainda enfrenta os outros problemas que o ajudaram a vencer a eleição. As promessas de menos comércio internacio­nal e mais manufatura­s domésticas, medidas severas contra a imigração e expansão da infraestru­tura foram deixadas para trás. Em vez disso, o foco da sua atenção tem sido a assistênci­a à saúde. Seu pesadelo. O Obamacare continua absorvendo também a atenção do Congresso. Uma votação final está marcada para a próxima semana. A oposição de uma maioria da população (e da comunidade médica) tem tido consequênc­ias políticas.

Brasil e Estados Unidos precisam se concentrar nos problemas reais relacionad­os com o desempenho econômico lento e regras políticas inadequada­s. Em 2018, os dois países terão novas eleições. A esperança é de que elas levem a lideranças interessad­as em soluções que tenham a ver com futuro e não com o passado. /

Brasil e Estados Unidos precisam se concentrar nos problemas reais

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