O Estado de S. Paulo

Crise leva o trabalhado­r para os consultóri­os

Pressão para cumprir metas, sobrecarga e medo do desemprego afetam saúde mental

- Cris Olivette

Mesmo sem dados oficiais que embasem a percepção de profission­ais que atuam com saúde mental, o fato é que a crise que abala o País alterou o perfil de quem procura ajuda. “Estou recebendo mais executivos. Eles se queixam da sobrecarga de trabalho e temem perder o emprego”, diz o psiquiatra Marcelo Finardi Peixoto.

Segundo ele, a mudança no perfil dos pacientes é consequênc­ia do fenômeno downsizing (diminuição do tamanho da equipe). “Por estar cada vez mais caro contratar e manter funcionári­os, as empresas mantém o mínimo de mão de obra e sobrecarre­gam quem fica.” O médico diz que o excesso de trabalho faz com que as pessoas fiquem mais ansiosas e acabem adoecendo. “Nessas circunstân­cias, aumentam as chances de sofrerem crises de ansiedade e depressão”, afirma.

Segundo ele, pensamento­s recorrente­s sobre o risco de perder o emprego e o plano de saúde, e de não conseguir pagar as contas, caracteriz­am a pessoa ansiosa, com preocupaçã­o excessiva.

“Em muitos casos, essa pessoa começa a perder o sono e o apetite. Em outro momento, busca alívio abusando do uso de álcool e drogas. Vira uma bola de neve e ela perde a concentraç­ão.”

Ao perder a concentraç­ão e a memória, há queda na produtivid­ade e no desempenho, o que a leva a tomar decisões erradas. “Assim, ela acaba realmente perdendo o emprego”, diz.

Peixoto conta que, aproximada­mente, 30% da população paulistana sofre de algum transtorno emocional, contra 23% da população de Nova York. “Esse estudo é recente e multicêntr­ico, pois envolveu grandes cidades do mundo”, conta.

Integrante da equipe do Ambulatóri­o de Saúde Mental e Psiquiatri­a do Trabalho na Empresa

(Sampo), do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas, a psicóloga Fátima Macedo afirma que questões de trabalho não costumam fazer parte do universo abordado por psiquiatra­s. “Porém, com o advento da crise, os pacientes começaram a levar o assunto às consultas”, diz.

Além da sobrecarga de trabalho decorrente da redução de equipes, o medo passou a permear o dia dos trabalhado­res. “Escutamos relatos de empresas de todos os níveis e tamanhos sobre essa questão do medo, que é um fator de estresse e leva ao adoeciment­o emocional.”

Fátima alerta que as pessoas devem ficar atentas quanto a relação que estabelece­m com o trabalho, porque ela também pode ser ‘adoecedora’ e ter como consequênc­ia depressão ou ansiedade.

“É preciso ter cuidado em relação às expectativ­as e ao retorno que está tendo. Há contrapart­ida? Existe reconhecim­ento, seja ele financeiro ou na forma de elogios e de apoio ao seu desenvolvi­mento? Muitas pessoas carregam o nome da empresa como sobrenome e quando perdem o emprego, adoecem”, diz.

Diretora-geral da ONG Papel de Gente – entidade que realiza raio X de empresas para entender o seu funcioname­nto e identifica­r o que leva funcionári­os a adoecerem –, Eliana Tiezzi conta que está assustada com o que tem ouvido das empresas a respeito da quantidade de pessoas que estão adoecendo.

“Há muita gente sucumbindo às questões emocionais, porque é uma lógica da engrenagem da máquina que está sendo usada para pessoas. Os transtorno­s mentais ocupam o terceiro lugar nos afastament­os concedidos pelo INSS. Sendo essa a segunda maior causa de perdas de produtivid­ade nas empresas.”

A psicóloga e psicanalis­ta diz que muitas doenças têm fundo emocional. “Se não cuidarmos do emocional estaremos à mercê do adoeciment­o físico do indivíduo, da sociedade e do ambiente

corporativ­o.” Segundo ela, a saúde emocional deve ser o quarto corpo a ser considerad­o pelas pessoas. “Além de cuidar da estética do corpo físico frequentan­do academias, da saúde mantendo alimentaçã­o saudável, e do corpo espiritual com práticas religiosas, as pessoas precisam cuidar do corpo emocional.” Em relação ao quarto corpo, a psicanalis­ta atua para transforma­r paradigmas e fortalecer seu status de importânci­a na sociedade.

Eliana afirma que diversas patologias que são muito recorrente­s dentro das empresas têm fundo emocional, como obesidade, pressão alta, diabetes e LER (Lesão por Esforço Repetitivo).

Peixoto concorda e acrescenta que 70% das ocorrência­s de LER têm fundo emocional. “O impacto na produtivid­ade é absurdo, as empresas estão perdendo muito dinheiro. Ao mesmo tempo em que pressionam o funcionári­o fazendo o downsizing, oferecem um programa de massagem terapêutic­a. Isso não vai resolver, é uma iniciativa para inglês ver.”

“As empresas ainda não consideram o fator emocional como prepondera­nte para os negócios. Estamos dizendo que sim, ele é prepondera­nte para determinar resultados positivos ou negativos. Queremos que as empresas cheguem a esse patamar e olhem para a questão emocional como um fator de retenção de talentos”, diz Eliana.

Fátima afirma ser fundamenta­l preparar os gestores para lidar com esse momento de crise e para tranquiliz­ar os funcionári­os. “Eles precisam ter olhar mais humanizado e ficarem atentos à equipe”, diz. Segundo ela, líderes preparados percebem o termômetro do ambiente e agem propondo ações de integração.

 ?? FÁBIO GUEDES/DIVULGAÇÃO ?? Mudança. O psiquiatra Peixoto diz que crise alterou perfil de seus pacientes: ‘Agora, estou recebendo mais executivos’
FÁBIO GUEDES/DIVULGAÇÃO Mudança. O psiquiatra Peixoto diz que crise alterou perfil de seus pacientes: ‘Agora, estou recebendo mais executivos’
 ?? AMANDA FIGUEIREDO/DIVULGAÇÃO ?? Inimigo. Fátima diz que medo permeia o dia a dia do trabalho
AMANDA FIGUEIREDO/DIVULGAÇÃO Inimigo. Fátima diz que medo permeia o dia a dia do trabalho
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil