Crise leva o trabalhador para os consultórios
Pressão para cumprir metas, sobrecarga e medo do desemprego afetam saúde mental
Mesmo sem dados oficiais que embasem a percepção de profissionais que atuam com saúde mental, o fato é que a crise que abala o País alterou o perfil de quem procura ajuda. “Estou recebendo mais executivos. Eles se queixam da sobrecarga de trabalho e temem perder o emprego”, diz o psiquiatra Marcelo Finardi Peixoto.
Segundo ele, a mudança no perfil dos pacientes é consequência do fenômeno downsizing (diminuição do tamanho da equipe). “Por estar cada vez mais caro contratar e manter funcionários, as empresas mantém o mínimo de mão de obra e sobrecarregam quem fica.” O médico diz que o excesso de trabalho faz com que as pessoas fiquem mais ansiosas e acabem adoecendo. “Nessas circunstâncias, aumentam as chances de sofrerem crises de ansiedade e depressão”, afirma.
Segundo ele, pensamentos recorrentes sobre o risco de perder o emprego e o plano de saúde, e de não conseguir pagar as contas, caracterizam a pessoa ansiosa, com preocupação excessiva.
“Em muitos casos, essa pessoa começa a perder o sono e o apetite. Em outro momento, busca alívio abusando do uso de álcool e drogas. Vira uma bola de neve e ela perde a concentração.”
Ao perder a concentração e a memória, há queda na produtividade e no desempenho, o que a leva a tomar decisões erradas. “Assim, ela acaba realmente perdendo o emprego”, diz.
Peixoto conta que, aproximadamente, 30% da população paulistana sofre de algum transtorno emocional, contra 23% da população de Nova York. “Esse estudo é recente e multicêntrico, pois envolveu grandes cidades do mundo”, conta.
Integrante da equipe do Ambulatório de Saúde Mental e Psiquiatria do Trabalho na Empresa
(Sampo), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, a psicóloga Fátima Macedo afirma que questões de trabalho não costumam fazer parte do universo abordado por psiquiatras. “Porém, com o advento da crise, os pacientes começaram a levar o assunto às consultas”, diz.
Além da sobrecarga de trabalho decorrente da redução de equipes, o medo passou a permear o dia dos trabalhadores. “Escutamos relatos de empresas de todos os níveis e tamanhos sobre essa questão do medo, que é um fator de estresse e leva ao adoecimento emocional.”
Fátima alerta que as pessoas devem ficar atentas quanto a relação que estabelecem com o trabalho, porque ela também pode ser ‘adoecedora’ e ter como consequência depressão ou ansiedade.
“É preciso ter cuidado em relação às expectativas e ao retorno que está tendo. Há contrapartida? Existe reconhecimento, seja ele financeiro ou na forma de elogios e de apoio ao seu desenvolvimento? Muitas pessoas carregam o nome da empresa como sobrenome e quando perdem o emprego, adoecem”, diz.
Diretora-geral da ONG Papel de Gente – entidade que realiza raio X de empresas para entender o seu funcionamento e identificar o que leva funcionários a adoecerem –, Eliana Tiezzi conta que está assustada com o que tem ouvido das empresas a respeito da quantidade de pessoas que estão adoecendo.
“Há muita gente sucumbindo às questões emocionais, porque é uma lógica da engrenagem da máquina que está sendo usada para pessoas. Os transtornos mentais ocupam o terceiro lugar nos afastamentos concedidos pelo INSS. Sendo essa a segunda maior causa de perdas de produtividade nas empresas.”
A psicóloga e psicanalista diz que muitas doenças têm fundo emocional. “Se não cuidarmos do emocional estaremos à mercê do adoecimento físico do indivíduo, da sociedade e do ambiente
corporativo.” Segundo ela, a saúde emocional deve ser o quarto corpo a ser considerado pelas pessoas. “Além de cuidar da estética do corpo físico frequentando academias, da saúde mantendo alimentação saudável, e do corpo espiritual com práticas religiosas, as pessoas precisam cuidar do corpo emocional.” Em relação ao quarto corpo, a psicanalista atua para transformar paradigmas e fortalecer seu status de importância na sociedade.
Eliana afirma que diversas patologias que são muito recorrentes dentro das empresas têm fundo emocional, como obesidade, pressão alta, diabetes e LER (Lesão por Esforço Repetitivo).
Peixoto concorda e acrescenta que 70% das ocorrências de LER têm fundo emocional. “O impacto na produtividade é absurdo, as empresas estão perdendo muito dinheiro. Ao mesmo tempo em que pressionam o funcionário fazendo o downsizing, oferecem um programa de massagem terapêutica. Isso não vai resolver, é uma iniciativa para inglês ver.”
“As empresas ainda não consideram o fator emocional como preponderante para os negócios. Estamos dizendo que sim, ele é preponderante para determinar resultados positivos ou negativos. Queremos que as empresas cheguem a esse patamar e olhem para a questão emocional como um fator de retenção de talentos”, diz Eliana.
Fátima afirma ser fundamental preparar os gestores para lidar com esse momento de crise e para tranquilizar os funcionários. “Eles precisam ter olhar mais humanizado e ficarem atentos à equipe”, diz. Segundo ela, líderes preparados percebem o termômetro do ambiente e agem propondo ações de integração.