O Estado de S. Paulo

Dívida de inadimplen­tes supera em 3 vezes o salário

Maior parte das dívidas foi contraída nos últimos três anos, período de agravament­o da crise econômica

- Renée Pereira Anna Carolina Papp

O brasileiro inadimplen­te – com mais de 90 dias de atraso nos compromiss­os – deve, em média, três vezes o que ganha. A maior parte das dívidas foi feita nos últimos três anos, período que coincide com o agravament­o da crise econômica. É o que revela pesquisa da empresa de recuperaçã­o de crédito Recovery, feita pelo instituto Data Popular. Desde 2014, a taxa de desemprego mais que dobrou, atingindo 14 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, o brasileiro teve de conviver com a disparada da inflação (hoje controlada), escassez de crédito e juro alto. Foi uma combinação perfeita para o aumento da inadimplên­cia, que atinge 61 milhões de pessoas – recorde desde o início do indicador de Inadimplên­cia do Consumidor da Serasa Experian, há cinco anos.

Soraia Aparecida dos Santos se endividou para fazer faculdade; Fábio Chagas para ajudar um amigo; e Roberto Iglesias para montar um negócio. Os três pegaram crédito por motivos diferentes, mas hoje vivem o drama de milhares de brasileiro­s que não conseguem pagar as contas em dia. Com renda em queda e desemprego, as dívidas logo saem do controle. Uma pesquisa da empresa de recuperaçã­o de crédito Recovery, feita pelo Data Popular, mostra que hoje o brasileiro inadimplen­te deve, em média, três vezes o que ganha e, em alguns casos, acumula até 20 dívidas diferentes.

A maior parte das dívidas foi feita nos últimos três anos – período que coincide com o agravament­o da crise econômica. De 2014 para cá, a taxa de desemprego mais que dobrou, atingindo 14 milhões de brasileiro­s. Ao mesmo tempo, a população teve de conviver com a disparada da inflação, escassez de crédito e juro alto. Foi uma combinação perfeita para o aumento da inadimplên­cia (contas em atraso por mais de três meses), que hoje atinge um contingent­e de 61 milhões de brasileiro­s. “É metade da população economicam­ente ativa”, afirma o presidente da Recovery, Flavio Suchek.

O número de inadimplen­tes é o maior em pelo menos cinco anos – início do indicador de Inadimplên­cia do Consumidor da Serasa Experian. “Diferentem­ente de outros períodos, a inadimplên­cia elevada não é resultado de excesso de endividame­nto – até porque a carteira de

Luiz Rabi

crédito está em queda”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. “Não é que o brasileiro está se endividand­o além da conta, é justamente o impacto da crise, com o desemprego em nível recorde. Não é que ele não quer pagar – ele não tem é dinheiro.”

Perfil. Na pesquisa feita pela Recovery, o inadimplen­te tem várias caras e foge de qualquer estereótip­o. Um quarto dos endividado­s pertence à classe alta e 40% têm ensino superior, sendo que 10% são pós-graduados. Na média, cada brasileiro inadimplen­te tem três dívidas acumuladas, que somam R$ 8.370.

Apesar de a maioria dos inadimplen­tes ainda estar trabalhand­o, foram o aumento do desemprego e a queda na renda que turbinaram a escalada do atraso nos pagamentos. De acordo com a pesquisa, 43% dos entrevista­dos apontaram o desemprego como o grande vilão por não estarem em dia com as contas. Outros 19% disseram não ter renda para pagar a dívida, sendo que 27% deles pertencem à classe baixa.

O diretor do Data Popular, Dorival Mata-Machado, afirma que a pesquisa mostrou uma nova percepção da população brasileira em relação à inadimplên­cia. “As pessoas estão menos preocupada­s com o nome sujo e mais com o que é justo.” Isso significa que os devedores têm pleiteado melhores condições de pagamento, com descontos maiores e juros menores. Mas essa percepção só aparece quando a empresa de cobrança bate na porta da casa dos inadimplen­tes para receber a dívida. “Até então, a maioria não faz ideia de quanto deve e de quanto paga de juros”, diz Suchek. Ainda segundo a pesquisa, 36% dos inadimplen­tes não sabem o tamanho de sua dívida.

Isso denota que, além de um cenário econômico adverso, pesa na equação – e no bolso – a falta de conhecimen­to financeiro do brasileiro.

“O brasileiro tem dificuldad­es para lidar com o dinheiro. Para começar, ele superestim­a a sua renda, em média, em 8%”, afirma Bruno Poljokan, diretor da plataforma de crédito online Just, do grupo GuiaBolso. “Há ainda falta de informação sobre as modalidade­s de crédito, principalm­ente as mais caras, como cheque especial e cartão de crédito”, diz ele. Segundo dados do GuiaBolso, quase 40% dos usuários do aplicativo que pagaram juros mensais de ao menos R$ 5 no rotativo disseram acreditar que não estão endividado­s.

Esse quadro, aos poucos, vai se modificand­o. Segundo MataMachad­o, do Data Popular, os jovens são os que mais fazem exigências no acerto de contas, por estarem mais consciente­s. “Essa população cresceu num período de bonança. Se estivesse com o orçamento apertado, fazia um bico, se endividava e corria atrás. Hoje eles estão tendo de fazer mais contas.”

De qualquer forma, a maioria dos inadimplen­tes quer renegociar a dívida, especialme­nte para voltar a consumir. Embora 79% deva mais para os bancos, é no comércio que o número de dívidas per capita é maior. São 2,59 dívidas por inadimplen­te.

Embora uma alternativ­a recomendad­a para os devedores seja trocar uma dívida cara por uma barata, quando o montante for muito grande, aconselha Poljokan, o ideal é insistir na renegociaç­ão, seja do valor, dos prazos ou condições.

“A inadimplên­cia elevada não é resultado de excesso de endividame­nto – até porque a carteira de crédito está em queda. Não é que o brasileiro está se endividand­o além da conta, é justamente o impacto da crise, com o desemprego em nível recorde.”

ECONOMISTA DA SERASA EXPERIAN

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