O Estado de S. Paulo

CANDIDATUR­A HESITANTE

Líder da Rede evita frases diretas mas admite estar consultand­o amigos sobre planos para 2018

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Marina Silva, líder da Rede, ambiciona candidatur­a própria do partido à Presidênci­a, mas não se lança ainda ao pleito.

Mesmo depois da condenação de Lula na semana passada – que saudou como uma prova de que “a lei vale para todos” –, Marina Silva hesita em assumir sua candidatur­a ao Planalto em 2018. Em longa conversa com a coluna, a ex-senadora avisou que precisa ouvir auxiliares diretos, na Rede, e mesmo outras pessoas fora dela, antes de bater o martelo sobre os desafios práticos a vencer para levar adiante a ideia.

A discussão concreta sobre candidatur­a, segundo ela, “deve ser feita em 2018”. Mas admitiu: “A Rede tem uma expectativ­a, claro, de candidatur­a própria, e está dialogando a respeito com outros partidos”.

Quanto ao País real, de hoje, a líder da Rede Sustentabi­lidade entende que está na hora de se pensar “no pós-presidenci­alismo de coalizão”, e se pôr em prática um acordo sério entre governo e sociedade “para se preservar as conquistas institucio­nais e parar de fulanizar e partidariz­ar”. A seguir, trechos da entrevista.

Nós estamos perto de um caos político, ético e social. O senhora vê algum túnel, mesmo sem luz, para o País sair da escuridão? A grande vantagem do ser humano é que ele tem a capacidade de, quando não existir túnel, usar o seu próprio corpo e sua mente para construir um. Neste momento, talvez o grande problema de não se ver luz nem túnel seja porque a maioria dos que deveriam acreditar na força da sociedade para criar esse túnel simplesmen­te não consegue entregar a tarefa.

Pode ser mais específica? Alguma parte da sociedade tem mais culpa?

Qualquer pessoa medianamen­te informada sabia que, quando houvesse um trabalho sério por parte da Justiça, chegaríamo­s onde chegamos. Tenho defendido, desde 2015, que o TSE deveria cassar a chapa Dilma-Temer, abrindo-se caminho para uma agenda de transição, com nova eleição.

Mas isso não aconteceu. Olhando para frente, com ‘Fora Temer’ ou ‘Renuncia Temer’, o que vem depois? Cadê o túnel? Não se chega no túnel apostando nos atalhos. O que vemos é um atalho atrás do outro para que os mesmos permaneçam no poder. É uma vergonha que neste momento a gente tenha um presidente da República que vivenciou tudo o que vivenciou com o empresário da JBS, que tenha mais de seis ministros encastelad­os no governo querendo se proteger da Justiça, que se use dinheiro do Orçamento para comprar votos para evitar a autorizaçã­o de um julgamento. Uma intervençã­o ao modo da Venezuela. Fazer uma intervençã­o na CCJ trocando deputados... isso é uma venezueliz­ação.

Como assim?

Se todos acreditarm­os que é possível confiar nos cidadãos e cidadãs que foram usurpados em seu direito de escolha por uma eleição fraudulent­a... A eleição de 2014 foi uma fraude. E por quê? Porque quem ganhou usou dinheiro da corrupção do caixa 2, quem foi para o segundo turno usou dinheiro da corrupção de caixa dois. Um fraude absolvida pela instância mais alta da corte eleitoral do nosso País.

Com toda certeza a sra. vai ser candidata em 2018, não? Como pretende disputar com as dificuldad­es que vem enfrentand­o?

A discussão sobre candidatur­as vai ser feita em 2018. A Rede tem uma expectativ­a, claro, de candidatur­a própria. Nesse sentido, está dialogando com outros partidos.

Existe a possibilid­ade de a sra. não ser candidata?

Quando se tem uma visão democrátic­a da política a decisão é sempre do coletivo. Se você dissesse que não há essa possibilid­ade estaria se sobrepondo autoritari­amente ao partido.

A Rede nasceu cercada de muita expectativ­a, mas parece demorar para deslanchar. Como está vendo o futuro da legenda?

A Rede é um partido que acaba de nascer, só temos dois anos e uma contribuiç­ão muito grande. Foi a Rede que entrou com o pedido de cassação do Delcídio, com pedido de cassação do Aécio Neves, com a ação no Supremo para que alguém sendo investigad­o não faça parte da linha sucessória. E entrou com o pedido de cassação do Cunha.

Mas em 2014, entre 5.500 prefeitura­s, o partido só elegeu seis prefeitos. O que falta fazer para ele crescer?

Não estamos preocupado­s com aumento quantitati­vo, fizemos um esforço por aumento qualitativ­o. O PSOL que já tem mais de 10 anos, não é? Então...

Então a sra. está feliz com o ritmo, com as propostas...

Nada do que aconteceu estava fora daquilo que a gente se propôs a fazer, que foi ter candidatur­as comprometi­das com o programa. A Rede é um partido programáti­co.

Mas uma campanha exige metas e prazos concretos. Estamos vivendo as dificuldad­es de um partido que para ser criado teve que passar pelo fogo e pela água. Primeiro porque anularam as nossas fichas com o intuito, hoje para mim fica cada vez mais claro, de que não fôssemos beneficiad­os pela mesma legislação que beneficiou o Solidaried­ade e o partido do ex-prefeito Kassab. Nós temos apenas 12 segundos de TV.

No começo da conversa a sra. enfatizou que as instituiçõ­es estão funcionand­o. O Congresso está funcionand­o?

Sim, com todos os defeitos do seu funcioname­nto. Uma parte da Justiça está funcionand­o, e muito bem, e no Congresso há deputados e senadores fazendo bem o seu trabalho.

Há pouco a sra. mencionou que “a alta corte”, no caso o TSE, errou ao não punir a chapa DilmaTemer. Acha que a PGR acertou no episódio dos irmãos Batista? As medidas tomadas pela PGR e pela PF são recepciona­das pela lei. E a gravação feita pelo empresário recebido na calada da noite, pelo presidente, foi dele, não houve combinação para que ele fizesse.

A senhora já foi senadora. Como interpreta o que aconteceu na semana passada, com senadoras invadindo a Mesa da Casa? Tivemos duas invasões no Congresso na semana passada. A primeira, a invasão do Executivo sobre a CCJ, substituin­do deputados e liberando emendas para mudar os votos. A segunda, a das senadoras. Não vejo diferença entre as medidas provisória­s que foram compradas e aqueles que recebem emendas em troca de voto favorável aos que deveriam ser julgados pela Justiça. É uma atitude política a meu ver incompatív­el com a ação do parlamento. Veja que quando foi decidida a absolvição do senador Aécio Neves, mesmo tendo o seu primo recebido igualmente uma mala de dinheiro em espécie de R$ 2 milhões, o Conselho de Ética o absolveu sem sequer acolher para debate a denúncia sobre o mandato, como havia ocorrido com o senador Delcídio do Amaral. Aí se abre um precedente e tudo é possível. E se você arquiva esse processo, como vai censurar as senadoras que ficaram sentadas na cadeira do presidente da Casa? Não estou advogando nem um e nem outro, nenhum está correto.

Acha que há chance de se fazer uma reforma política? Desde 2010 venho defendendo a necessidad­e dessa reforma. Mas diante de tudo que está ocorrendo insisto que só teremos mudança de estrutura se houver mudança de posturas. Com as posturas de hoje não teremos mudança de estrutura, até porque a reforma política proposta torna as estruturas políticas piores do que já são.

Dá para inverter? Mudar a estrutura para obrigar mudança de postura?

Não acredito. É preciso que haja uma mudança primeiro de postura, de fora pra dentro do Congresso, porque a Lei de Abuso de Autoridade só não foi aprovada por causa da mobilizaçã­o da sociedade contra ela. A anistia para o caixa 2 só não foi aprovada pela mobilizaçã­o da sociedade. A Ficha Limpa só foi aprovada pela mobilizaçã­o da sociedade. Toda a legislação de direitos humanos, de direitos à saúde, de melhoria da educação, do meio ambiente, foi graças à mobilizaçã­o da sociedade.

‘CONGRESO TEVE DUAS INVASÕES, A DO GOVERNO E A DAS SENADORAS’

O que diz da reforma trabalhist­a recém-aprovada? Conheço a proposta, o Brasil precisa de reformas. Não da forma como estão fazendo, numa abordagem puramente fiscal.

Tem alguma área do governo que a sra. veja com bons olhos? A área econômica tem algo tocado corretamen­te? Antes a gente tinha o País indo para o abismo em alta velocidade. Agora temos pelo menos uma equipe econômica que está ziguezague­ando pra não cair no abismo. São pessoas tecnicamen­te competente­s, mas com uma abordagem política totalmente equivocada, dentro de uma visão puramente fiscal. Você faz um corte linear, por exemplo, em áreas que são estratégic­as, como é que faz um corte na Polícia Federal? Os sacrifício­s que estão sendo feitos são para a velha economia ou para a nova economia?

Com esse cobertor curto, o pé de quem ficaria de fora? Acho que o que não deveria ficar de fora, deveria ser cortado, é o pé da corrupção.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO – 11/10/2013

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