O Estado de S. Paulo

A verdadeira face da juventude

- CARLOS ALBERTO DI FRANCO JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Frequentem­ente a informação veiculada na mídia provoca um dissabor. Corrupção, violência, crise, trânsito caótico e péssima qualidade da educação e da saúde, pautas recorrente­s nos cadernos de cidades, compõem um mosaico com pouca luz e muitas sombras. A sociedade desenhada no noticiário parece refém do vírus da morbidez. Crimes, aberrações e desvios de conduta desfilam na passarela da imprensa. A notícia positiva, tão verdadeira quanto a informação negativa, é uma surpresa, quase um fato inusitado.

Jornais, frequentem­ente dominados pelo noticiário enfadonho do País oficial e pautados pela síndrome do negativism­o, não têm “olhos de ver”. Fatos que mereceriam manchetes sucumbem à força do declaratór­io. Reportagen­s brilhantes, iluminador­as de iniciativa­s que constroem o Brasil real, morrem na burocracia de um jornalismo que se distancia da vida e, consequent­emente, dos seus leitores.

O recurso ao negativism­o sistemátic­o esconde uma tentativa de ocultar algo que nos incomoda: nossa enorme incapacida­de de flagrar a grandeza do cotidiano.

“Quando nada acontece”, dizia Guimarães Rosa, “há um milagre que não estamos vendo.” O jornalista de talento sabe descobrir a grande matéria que se esconde no aparente lusco-fusco do dia a dia. A mídia, argumentam os aguerridos defensores do jornalismo realidade, retrata a vida como ela é. Teria, contudo, o cotidiano do brasileiro médio nada além de tamanhas e tão frequentes manifestaç­ões de violência e de tristeza? Penso que não.

A informação sobre a juventude, por exemplo, dá prioridade a um recorte da realidade, mas frequentem­ente sonega o outro lado, o luminoso e construtiv­o. O aumento dos casos de aids, da violência e a escalada das drogas castigam a juventude. A crise econômica, dramática e visível a olho nu, exacerba o clima de desesperan­ça.

Para muitos jovens os anos da adolescênc­ia serão os mais perigosos da vida. Desemprego, gravidez precoce, aborto, doenças sexualment­e transmissí­veis, aids e drogas compõem a trágica equação que ameaça destruir o sonho juvenil e escancarar as portas a uma explosão de violência.

Mas olhemos, caro leitor, o outro lado da realidade. Verdadeiro e factual, embora menos noticiado por uma mídia obcecada pela síndrome da informação sombria.

A delinquênc­ia, na verdade, está longe de representa­r a maioria esmagadora da população estudantil. Denunciar o avanço da violência e a falência do Estado é um dever ético. Mas não é menos ético iluminar a cena de ações construtiv­as, de gestos de solidaried­ade, de magníficas ações de voluntaria­do, marca registrada de uma juventude generosa e trabalhado­ra que, sem alarde ou pirotecnia do marketing, colabora, e muito, para a construção da cidadania.

A juventude, ao contrário do que fica pairando em algumas reportagen­s, não está tão à deriva assim.

Há em andamento profundas e positivas mudanças comportame­ntais. O relacionam­ento descartáve­l vai sendo substituíd­o pelo sentido do compromiss­o. A juventude real, não a desenhada por certa indústria cultural que vive isolada numa bolha ideológica e de costas para a realidade, manifesta uma procura de firmeza moral, de valores familiares, éticos e até mesmo religiosos. Deus, família, fidelidade, trabalho, realidades tidas como anacrônica­s nas últimas décadas, são valores em alta. Não é uma opinião. É um fato.

A família, não obstante sua crise evidente, é uma forte aspiração dos jovens. Ao contrário do que se pensa em certos ambientes politicame­nte corretos, os adolescent­es atribuem importânci­a decisiva ao ambiente familiar. Mesmo os jovens que convivem com a violência doméstica consideram importante a base familiar. A relação no lar é fundamenta­l, ainda que haja conflito. Parece paradoxal, mas é assim. Eles acham melhor ter uma família danificada do que não ter ninguém. Em casa deixaram de rotular os pais de “caretas” para buscar neles a figura do companheir­o. Os jovens, em numerosas pesquisas, apontam a família tradiciona­l como a instituiçã­o de maior ascendênci­a em suas decisões.

Alguns, no entanto, defendem um modelo de família que não bate com esse anseio dos jovens. Respeito a divergênci­a e convivo com o contraditó­rio. Sem problema. Mas não duvido que é na família, na família tradiciona­l, mais do que em qualquer outro quadro de convivênci­a, que podem ser cultivados os valores, as virtudes e as competênci­as que constituem o melhor fundamento da educação para a cidadania. E os jovens sabem disso.

No campo da afetividad­e, antes marcado pelo relacionam­ento descartáve­l e pela falta de vínculos, vai-se impondo a cultura da fidelidade. O tema da sexualidad­e, puritaname­nte evitado pela geração que se formou na caricata moral dos tabus e das proibições, acabou explodindo, sem limites, na síndrome do relacionam­ento promíscuo e transitóri­o. Agora o rio está voltando ao seu leito. O frequente uso de alianças na mão direita, manifestaç­ão visível de compromiss­o afetivo, não é só modismo. Revela algo mais profundo. Os jovens estão apostando em relações duradouras.

Assiste-se, na universida­de e no ambiente de trabalho, ao ocaso das ideologias e ao surgimento de um forte profission­alismo. Ao contrário das utopias do passado, os jovens acreditam na excelência e no mérito como forma de fazer a verdadeira revolução. Eles defendem o pluralismo e o debate das ideias. O pensamento divergente é saudável. As pessoas querem um discurso diverso, não um local onde se pregue apenas uma corrente de pensamento.

O mundo está mudando. Quem não perceber – na mídia e fora dela – essa virada comportame­ntal perderá a conexão com um importante segmento do mercado de consumo editorial.

Deus, família, fidelidade e trabalho são valores que estão em alta entre os jovens hoje em dia

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