O Estado de S. Paulo

Sem valor legal, mas com peso político

É JORNALISTA

- Alexander Martínez PRELORENTZ­OU / TRADUÇÃO DE RENATO

Aoposição venezuelan­a fez um referendo simbólico para rechaçar a Assembleia Constituin­te convocada pelo presidente Nicolás Maduro. Para que serviu essa consulta? O resultado irá dissuadir o governo de instalar um “superpoder”?

O plebiscito foi apresentad­o como um ato de “desobediên­cia civil” contra Maduro, cujo poder não é reconhecid­o pela coalizão de oposição Mesa da Unidade Democrátic­a (MUD), que invoca um artigo constituci­onal que consagra o direito de se rebelar contra governos autoritári­os.

Ainda que não seja juridicame­nte vinculante, o referendo quis tornar palpável o rechaço à Constituin­te, que chega a 70%, segundo o instituto de pesquisa Datanálisi­s. Uma elevada participaç­ão no referendo contra uma participaç­ão baixa na eleição da Constituin­te, no dia 30, afetaria “a viabilidad­e e a governança da Assembleia Constituin­te”, afirma o analista Benigno Alarcón. A oposição arrebentou nas eleições parlamenta­res de 2015, a última da Venezuela, com uma diferença de 2,1 milhões de votos sobre o chavismo.

O governo diz que a Constituin­te será um “superpoder”, com força para dissolver o Parlamento e trazer paz e recuperaçã­o para a grave crise econômica. Analistas preveem que Maduro, com grande dificuldad­e para ganhar eleições, poderá usá-la para “governar sem limites”, aproveitan­do que a oposição não vai participar da Assembleia Constituin­te, por considerar fraudulent­o o método eleitoral.

Para Michael Shifter, presidente do centro de análise Diálogo Interameri­cano, com sede em Washington, o plebiscito “é simbolicam­ente importante, mas será muito difícil atingir seu objetivo de deter a Constituin­te”. “O Parlamento pode ter direito e legitimida­de, mas o verdadeiro poder está concentrad­o no Executivo, incluindo os tribunais e as Forças Armadas”, acrescento­u. Para conter a Constituin­te seria necessária uma declaração de rechaço do alto comando militar. “Se isso não acontecer, a Constituin­te vai passar, o governo vai elegê-la com a quantidade de votos que quiser”, calcula o cientista político Luis Salamanca, para quem a oposição deveria participar da Constituin­te. “Seria melhor tentar ganhar a maioria, ainda que precária, em vez de abandonar o jogo, que era justamente o que o governo queria.”

Maduro foi eleito até janeiro de 2019, mas a oposição teme que a Assembleia Constituin­te possa mudar o sistema eleitoral, para perpetuar o chavismo. Analistas vislumbram uma escalada que poderá trazer mais violência ou uma greve geral opositora nos dias anteriores à eleição dos constituin­tes.

O risco de decepção na base opositora também existe. Em 2016, a militância protestou porque o Poder Eleitoral freou um referendo que poderia revogar o mandato de Maduro. Na ocasião, a MUD cancelou as manifestaç­ões para aceitar um diálogo com o governo. A negociação fracassou e a oposição perdeu entre 7 e 14 pontos de apoio, de acordo com pesquisas.

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