O Estado de S. Paulo

‘Queria que policial não entrasse atirando’, diz mãe de menina morta

Filha de Rosilene foi baleada na quadra do colégio onde estudava; família critica violência nas comunidade­s

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Às 16h08 do último dia 30 de março, Rosilene Alves, de 53 anos, atendeu a um telefonema que ninguém gostaria de receber e que nunca mais vai sair de sua memória. Uma amiga de sua filha disse que Maria Eduarda, de 13 anos, tinha sido morta dentro da Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, em Acari, na zona norte do Rio.

A garota levou três tiros, dois na cabeça e um nas nádegas. Ela estava na quadra, fazendo aula de Educação Física. Os projéteis a perfuraram seis vezes. A auxiliar de serviços gerais narra exatamente as primeiras imagens de como viu o cenário da morte da filha, como se tivesse ocorrido minutos antes.

“Estava falando dela para as pessoas no meu serviço, como ela era linda, calçava 40 e jogava basquete, quando recebi a ligação. Peguei uma van, falei para o motorista que minha filha havia sido morta e ele foi cortando o caminho. Quando cheguei lá, meu filho abriu o portão para mim e a quadra estava cheia, parecia o Maracanã. As pessoas foram abrindo caminho para mim. Tirei aquele pano, parecia que ela estava dormindo, só tinha aquele sangue ao redor porque foram dois tiros na cabecinha. Eu beijava tanto e falava: Não faz isso comigo Maria, não vai embora”, emociona-se a mãe, ao contar a história.

A escola onde Maria Eduarda estudava e foi morta fica no Morro da Pedreira, dominado por um dos bandos mais violentos do Rio. No momento da ação que vitimou a adolescent­e, dois policiais perseguiam criminosos nos arredores do colégio.

Exames comprovara­m que os tiros que atingiram Maria Eduarda vieram da arma do cabo Fábio Barros Dias, que está solto. Ele e o sargento David Centeno foram filmados atirando à queima-roupa em dois suspeitos de roubos na região, em frente à escola. Os dois estavam deitados no chão, aparenteme­nte feridos e imóveis, e morreram ali, na calçada ao lado do colégio.

“E u só queria que os policiais não entrassem mais nas comunidade­s atirando. Eles não fazem isso em Copacabana, no Leblon, na zona sul”, afirma Rosilene. “Ela estava no lugar certo, na hora certa, na escola, que é o lugar onde criança deve estar. Não está sendo fácil, mas eu não vou parar. Eu vivia para a Maria, trabalhava para a Maria. Se eu me entregar, deitar, eu morro de depressão”, diz a mãe.

Sem respostas. O pai de Maria, o pedreiro Antônio Alfredo da Conceição, de 62 anos, também pede justiça. “Sentei com o Seu Pezão (Luiz Fernando, governador do Rio) e falei: ‘só quero te fazer uma pergunta, governador. O que você faria se estivesse no meu lugar?’”, lembra.

“Ele, infelizmen­te, não tinha resposta. Ainda não teve justiça, o policial ainda não foi preso. Quantas Marias eles ainda vão precisar matar? Os delinquent­es estão matando as crianças, e os policiais também. Eu tenho 62 anos. Queria que Deus tivesse me levado, mas infelizmen­te, ela foi e eu fiquei”, lamenta o pai.

O cabo Dias foi indiciado por homicídio pela morte da adolescent­e, de acordo com o relatório feito pela Delegacia de Homicídios (DH) do Rio. Para a DH, ele agiu com dolo eventual ao atirar contra os suspeitos, assumindo o risco de matar algum inocente, já que sabia da existência de uma escola perto do local do tiroteio e do risco de atingir estudantes.

Por esse crime, os dois policiais já foram denunciado­s pelo crime de homicídio doloso (intenciona­l). Embora tenham sido presos logo após o episódio, eles foram autorizado­s pela Justiça a responder ao processo em liberdade./

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Indignação. Pais cobram justiça; PM indiciado por homicídio responde em liberdade
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NA WEB Vídeo. Pais de vítima relembram tragédia em Acari. estadao.com.br/e/acari

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