O Estado de S. Paulo

Agricultor pode ficar mais dependente de comerciali­zadoras

Temor é que, assim como pecuarista­s ficaram nas mãos da JBS, produtores fiquem sem alternativ­a para escoar grãos

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Apesar da perspectiv­a de reduzir o custo do frete dos grãos do cerrado pela metade, a Ferrogrão poderia criar um novo e grande problema para os produtores: uma espécie de “efeito JBS”. Do mesmo modo que os pecuarista­s da região ficaram nas mãos de um único frigorífic­o, com a criação do “campeão nacional”, os agricultor­es acabariam ainda mais dependente­s das tradings, que controlari­am o novo modal de transporte.

“Uma ferrovia controlada por quem detém um monopólio de carga preocupa”, diz Luciene Machado, superinten­dente da área de saneamento e transporte­s do BNDES. “Mas, apesar de haver uma discussão importante sobre um operador ferroviári­o independen­te, num investimen­to desse porte, no

qual é mandatório o uso de recursos privados, faz sentido que as tradings estejam inseridas (como controlado­ras).”

Para a executiva, porém, é preciso equilibrar os interesses e resolver possíveis conflitos para não condenar os produtores a ficar eternament­e sem alternativ­a de transporte mais eficiente do que o rodoviário. “Eliminar a ferrovia seria um jogo de perde-perde”, diz ela. Tarcísio Freitas, secretário de Coordenaçã­o de Projetos da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimen­tos (PPI), concorda e afirma que a Ferrogrão interessa principalm­ente às tradings. Ele reconhece, no entanto, que os produtores também serão beneficiad­os. “Esse projeto é importante porque ajudaria a reduzir o gargalo logístico, uma questão crônica no Brasil.”

Além disso, o setor de transporte tem uma agência reguladora própria, a ANTT, que pode intervir caso um grupo econômico seja excessivam­ente favorecido. “Diferentem­ente do setor de carnes, o de transporte­s tem uma agência reguladora, com mecanismos para promover o equilíbrio do poder econômico”, afirma Alexandre Porto, superinten­dente de infraestru­tura e transporte ferroviári­o da ANTT. “Haverá teto tarifário, acompanham­ento dos procedimen­tos e, se necessário, aplicação de penalidade­s, inclusive de caducidade da concessão.”

Poder do mercado. Claudio Frischtak, sócio da consultori­a Inter.B, especializ­ada em infraestru­tura, afirma que o governo e as agências reguladora­s estão mais atentos a questões concorrenc­iais do que antes. “Os produtores de grãos não nasceram ontem e nem têm um poder político irrelevant­e”, diz.

Além disso, de acordo com Frischtak, mesmo com a possível diferença no preço do frete, o modal rodoviário continuará competitiv­o. “Eu apostaria mais na capacidade do mercado reagir do que na efetividad­e das ações públicas”, diz ele. “Com a regulament­ação das ferrovias nos anos 1980, nos EUA, por exemplo, houve um impacto enorme em termos de eficiência e na queda de preços dos fretes.” Em outras palavras, quando a Ferrogrão começar a operar, os caminhonei­ros se ajustarão às condições de mercado.

Para José Vicente Ferraz, da consultori­a Informa Economics IEG|FNP, hoje a única alternativ­a para escoar pelo Norte é rodovia. “Não vejo problema de o produtor se financiar com as tradings, uma vez que o crédito no País é escasso. Até esses projetos saírem do papel, a produção agrícola será muito maior do que a atual. A competição é saudável.”

Safra recorde

238,6 milhões é o volume, em toneladas, da safra estimado pelo IBGE para este ano, alta de 29,2% em relação ao ano passado 69,2 milhões é a área plantada total, em hectares, este ano

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WERTHER SANTANA / ESTADÃO-28/11/2013 Buracos. BR-163 hoje é única via de escoamento pelo Norte

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