O Estado de S. Paulo

Lamentável equívoco

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Paulo Rabello de Castro é um economista respeitáve­l. Dotado de sólida formação acadêmica, tem uma carreira profission­al louvável e possui reputação ilibada. Por isso, causou-me enorme surpresa suas críticas à MP 777, que substitui, nos novos financiame­ntos do BNDES, a TJLP, estabeleci­da trimestral­mente pelo Conselho Monetário Nacional, pela TLP, que convergirá para a taxa de remuneraçã­o das NTN-B (IPCA mais juro real). Tais críticas resultaram na saída de dois conceituad­os diretores do banco e deram munição aos lobbies empresaria­is para derrubarem a medida no Congresso.

Segundo a imprensa, Rabello teria afirmado que a TLP, por ser estabeleci­da livremente no mercado, seria muito volátil e inadequada para financiame­nto de investimen­tos, pois prejudicar­ia a previsibil­idade dos tomadores de crédito da instituiçã­o. Castro não disse, mas está implícito em suas declaraçõe­s, que ele prefere o sistema atual, ou seja, a subsidiada e, de certa forma, arbitrária TJLP.

Suas críticas não se sustentam, nem em termos práticos nem à luz da teoria econômica, que Rabello conhece muito bem. A incerteza em relação à variação da TLP no período entre a concepção do projeto e a efetiva tomada do financiame­nto será resolvida por produtos financeiro­s de proteção (hedge), que certamente serão criados pelos bancos, a baixo custo, uma vez que a NTN-B é fartamente negociada no mercado, com enorme liquidez. Após a assinatura do contrato com o BNDES, a TLP não mudará mais, até o pagamento final da dívida.

Como já disse neste espaço, a teoria econômica não dá suporte para o uso de recursos dos contribuin­tes, na forma de subsídios, em projetos com retornos exclusivam­ente privados, salvo em situações muito especiais.

O subsídio se justifica basicament­e quando o investimen­to gera benefícios sociais que se estendem para além das partes envolvidas no negócio. Enquadram-se aqui obras de mobilidade urbana (metrô, por exemplo), saneamento básico e inovação tecnológic­a, entre outras. Não é possível incluir o valor de todos os benefícios desses empreendim­entos na tarifa ou no preço do bem ou serviço. Se não houver subsídio, haverá subinvesti­mento nesses setores. Mesmo nesses casos, no entanto, não é boa prática de política fiscal camuflar o subsídio emprestand­o-se dinheiro com remuneraçã­o inferior ao custo de captação do Tesouro Nacional, mas sim explicitá-lo no orçamento, como qualquer outro gasto governamen­tal. Segundo estimativa­s do economista Manoel Pires, do IBRE/FGV, somente em 2015 os subsídios das operações do BNDES somaram R$ 57 bilhões.

O argumento de que o juro no Brasil é muito maior do que no exterior e que sem o subsídio o investimen­to não seria viável, por falta de competitiv­idade da indústria nacional, também é falacioso. Como mostrou Samuel Pessôa, em artigo na Folha de S.Paulo, o produtor nacional compete com outros produtores domésticos, que possuem idêntico custo de capital. Em relação ao exterior, a diferença de competitiv­idade é ajustada pela taxa de câmbio. Em um regime de câmbio flutuante, como o nosso, essa correção ocorre de forma natural.

Em resumo, a proposta do executivo de acabar com os empréstimo­s do BNDES a juros inferiores ao custo de captação do Tesouro é salutar por várias razões: melhora a transparên­cia dos gastos públicos, já que os eventuais subsídios deverão estar expressos no Orçamento da União; colabora para o ajuste fiscal; evita que projetos economicam­ente inviáveis sejam executados; incentiva o desenvolvi­mento do mercado de capitais e de crédito privado de longo prazo; e, finalmente, aumenta a potência da política monetária, dado que a atual TJLP não é afetada diretament­e pelas alterações da taxa básica de juro.

Por que então o presidente do BNDES é contrário a essa medida? Prefiro pensar que se trate apenas de lamentável equívoco, nada mais.

ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

O subsídio se justifica basicament­e quando o investimen­to gera benefícios sociais

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