O Estado de S. Paulo

Não tem lanche de graça

Determinaç­ão de que os planos privados de saúde devem oferecer sessões psicológic­as ilimitadas aos segurados vai encarecer a conta dos usuários

- ANTONIO PENTEADO MENDONÇA É SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Acaba de ser determinad­o pela Justiça Federal que os planos de saúde privados devem suportar ilimitadam­ente as sessões psicológic­as de seus segurados que necessitar­em este tipo de tratamento. Em teoria, é um avanço importante, mais uma justa conquista do consumidor que não pode ter seu direito à saúde tolhido pelas limitações de um contrato de direito privado.

Saúde é direito de todos. Mais do que isto, saúde eficiente é um direito de todos. Mas, remando contra a ideia, surge o limite da realidade, da lei e das possibilid­ades dos encarregad­os de oferecer os serviços.

A Constituiç­ão Federal, em mais um de seus inúmeros equívocos, reza que saúde é um direito de todos e um dever do Estado, sem dizer como o Estado vai custear a festa. De onde virão os recursos, quem arcará com a conta, como um cobertor curto vai cobrir 200 milhões de brasileiro­s.

A distorção atual é tão absurda que o governo entra com menos de 40% do total investido anualmente na saúde pública, enquanto os planos de saúde privados completam a conta, aportando os mais de 60% que faltam. Quer dizer, entre a Constituiç­ão e o mundo real a distância é enorme.

O resultado é que mais de 150 milhões de brasileiro­s dividem a parte pequena, enquanto menos de 50 milhões ficam com o grosso do bolo.

Está completame­nte errado, não porque os 50 milhões de brasileiro­s cobertos pelos planos de saúde privados recebem um tratamento diferencia­do, mas porque os três quartos restantes deveriam ter direito a muito mais do que recebem.

Os planos de saúde privados não têm as mesmas obrigações do Estado. Por conta disso, a forma de suprir suas necessidad­es se baseia no mutualismo, enquanto o Estado entra com recursos do Orçamento Nacional, ou seja, não há uma relação direta entre os custos da saúde pública e os recursos necessário­s para garantir sua manutenção.

Com os planos privados vale a regra do mutualismo, uma das grandes ideias que, há mais de 4 mil anos permite que a humanidade evolua, graças à proteção social proporcion­ada pela divisão das perdas de alguns por todos os seus integrante­s.

Se o governo saca os recursos para o custeio da saúde pública da massa de dinheiro resultante da cobrança de impostos, os planos de saúde privados, como a maioria das operações de seguros, conseguem seus recursos por meio do pagamento proporcion­al ao seu risco por cada integrante do grupo.

É do fundo constituíd­o com estes recursos que sai o dinheiro necessário ao pagamento dos procedimen­tos cobertos, das despesas administra­tivas e comerciais e dos impostos.

Em 2016 esta conta, envolvendo todas as operadoras de planos de saúde privados, fechou com rombo de R$ 1,1 bilhão negativos. Apenas os procedimen­tos cobertos atingiram mais de 80% do total das despesas. E a tendência é que continue subindo, se aproximand­o rapidament­e dos 90%.

A relação jurídica dos planos de saúde privados com seus consumidor­es é de direito privado, ou seja, regulada por um contrato entre as partes, balizado por uma legislação específica, decorrente de disposição constituci­onal, que impõe certos limites, sem os quais o equilíbrio necessário à boa gestão do negócio se torna impossível.

O problema é que a lei é ruim e condena, no longo prazo, os planos de saúde privados ao fracasso. Só isso já seria suficiente para alertar a todos sobre a importânci­a de se lidar com o tema com todo o cuidado.

Mas há mais. A crise brasileira atingiu o sistema de saúde privado com enorme violência. Não há relação entre a inflação da saúde e a inflação da economia. Enquanto a primeira atingiu mais de 19% ao ano, a segunda está abaixo de 4% ao ano. E o número de segurados caiu muito.

Ninguém discute a importânci­a do atendiment­o psicológic­o pelo tempo que o paciente necessite. Só que hoje os planos calculam este atendiment­o com um limite. Torná-lo ilimitado é fácil. Só que vai encarecer a conta. Será que os brasileiro­s que permanecem no sistema privado poderão pagá-la?

A distorção atual é tão absurda que o governo entra com menos de 40% do total investido na saúde pública

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