O Estado de S. Paulo

Deputados querem ‘distritão’ para garantir novo mandato

Pelo sistema, seriam eleitos os candidatos mais votados em cada Estado. Hoje, pelo sistema proporcion­al, isso não basta

- Renan Truffi Thiago Faria Igor Gadelha

Deputados de PMDB, PSDB e ao menos oito partidos do Centrão fizeram acordo para incluir na proposta de reforma política – a ser analisada em agosto na Câmara – artigo que cria o “distritão”. Pelo sistema, seriam eleitos os candidatos mais votados em cada Estado. Hoje, isso não basta. No sistema proporcion­al, soma-se o número de votos de todos os candidatos e na legenda e, a partir daí, define-se quantos assentos o partido terá direito – daí a importânci­a dos candidatos que “puxam” votos. O “distritão” é visto pelos atuais deputados como forma de tentar assegurar a própria reeleição. A ideia é apresentar a proposta de emenda durante as discussões do texto do relator da reforma política, Vicente Cândido (PT-SP). Como o petista sugere um sistema “transitóri­o” para as eleições de 2018, os parlamenta­res articulam o “distritão” como sistema permanente.

Deputados do PMDB, PSDB e de ao menos oito partidos do Centrão firmaram acordo para incluir na reforma política o “distritão”. Pelo sistema são eleitos para o Legislativ­o apenas os mais bem votados em cada Estado. A medida é apontada pelos parlamenta­res como uma forma de assegurar a própria reeleição e, consequent­emente, manter o foro privilegia­do em meio ao descrédito com a classe política causado por escândalos de corrupção como os revelados pela Lava Jato.

Hoje um candidato mais votado não garante necessaria­mente uma cadeira na Câmara. O atual sistema é chamado de proporcion­al. Ele soma o número de votos de todos os candidatos e na legenda e a partir daí define a quantos assentos o partido terá direito. Os mais votados dentro da sigla são eleitos. Por isso, ocorre o fenômeno dos puxadores de votos, como Tiririca (PR-SP), que podem ajudar a eleger parlamenta­res com baixa votação.

Sem considerar esse modelo, a ideia é apresentar a emenda do “distritão” durante as discussões, em plenário, do texto do relator, deputado Vicente Cândido (PT-SP), a ser analisado a partir de agosto. Esse modelo pode dificultar a renovação da Câmara e favorecer a permanênci­a dos deputados no poder, uma vez que eles têm recall (são conhecidos por maior parcela do eleitorado pela participaç­ão em eleições passadas), visibilida­de midiática e máquina administra­tiva, como acesso a emendas que garantem verbas para obras em redutos eleitorais.

Como o petista sugere um sistema “transitóri­o” para as eleições de 2018, os parlamenta­res já articulam o “distritão” como sistema permanente. A proposta foi tema de debate em uma reunião na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na quarta-feira passada. Estavam presentes parlamenta­res do Centrão, do PMDB, da oposição e do PT, que discorda da medida.

O Estado apurou que, no encontro, os deputados debateram abertament­e a eficácia do sistema para garantir que eles se mantenham nos cargos a partir das próximas eleições.

A emenda será apresentad­a pelo deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) e vai transforma­r os Estados em distritos. O parlamenta­r, porém, negou que a proposta tenha a finalidade de garantir a renovação dos mandatos. “Isso quem vai decidir é o povo. O ‘distritão’ garante a representa­ção das minorias.”

A bancada do PMDB deverá votar majoritari­amente a favor desse sistema. “Há uma maioria na Câmara a favor da proposta, apenas existe uma discordânc­ia se o sistema deve ser transitóri­o ou permanente”, afirmou o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), que não estava presente no encontro. “Só não há consenso porque a oposição é contra”, disse.

Maia é contra a proposta, mas afirmou aos parlamenta­res que aceitaria uma articulaçã­o no caso de o “distritão” ser usado apenas em caráter transitóri­o. Para parlamenta­res críticos à medida, esse sistema só poderia ser adotado após a aprovação de uma cláusula de barreira para diminuir o número de partidos. A avaliação é de que o “distritão” vai incentivar legendas nanicas a lançar candidatos populares, como artistas, delegados e apresentad­ores de TV.

‘Atraso’. O cientista político Jairo Nicolau, da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialis­ta em sistemas políticos, é crítico ao modelo. “É um sistema atrasado, que reforça o personalis­mo na política e enfraquece os partidos”, afirmou. “O distritão é um sistema com muitos problemas, não é usado em nenhuma democracia tradiciona­l, é um sistema que esteve em vigor no século 19.”

Ele lembrou que, há dois anos, praticamen­te os mesmos deputados já rejeitaram o “distritão”, durante a votação da minirrefor­ma eleitoral de 2015. Hoje, disse ser “lamentável” o que chamou de “acordos de bastidores”.

O sistema defendido por Cândido em relatório é o distrital misto. Pela regra, o eleitor votaria duas vezes: uma no candidato e outra no partido de preferênci­a.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–28/3/2017 Minirrefor­ma. Em 2015, o sistema foi rejeitado pelos mesmos deputados, aponta o cientista político Jairo Nicolau (UFRJ)

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