O Estado de S. Paulo

Protecioni­smo suicida

-

Relatório da OMC aponta que o Brasil foi o maior perdedor da política industrial e comercial praticada no governo petista e ainda parcialmen­te em vigor.

O Brasil foi o maior perdedor da política industrial e comercial praticada nos 13 anos de governo petista e ainda parcialmen­te em vigor, segundo o amplo e detalhado relatório recém-publicado pela Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC). O documento é parte do trabalho periódico de revisão, discussão e crítica das medidas tomadas nos 164 paísesmemb­ros da entidade. O último exame da política brasileira havia sido feito em 2013. Brasília pode contestar parte das críticas e também apontar a reorientaç­ão iniciada em 2016, a partir da mudança de governo, mas tem de admitir a maior parte dos problemas indicados no texto. Não há como negar as barreiras ainda muito altas, a distribuiç­ão de crédito subsidiado, os favores fiscais a grupos e setores selecionad­os e a manutenção, durante anos, de uma injustific­ável política de conteúdo nacional.

Ninguém descreverá a OMC como um clube de seguidores estritos das normas de transparên­cia e de lealdade nas práticas de comércio. O protecioni­smo agrícola é uma caracterís­tica da maior parte das economias desenvolvi­das. Políticas de subsídio mais ou menos disfarçada­s – à indústria aeronáutic­a, por exemplo – têm motivado processos entre parceiros desenvolvi­dos e emergentes. Os dois maiores mercados capitalist­as, os Estados Unidos e a União Europeia, têm-se envolvido em duros conflitos submetidos a julgamento pelo órgão de solução de disputas da OMC. As práticas brasileira­s serão, afinal, tão diferentes daquelas seguidas nas economias do Primeiro Mundo?

Seria tolice entrar numa competição de santidade, como se a OMC tivesse auréolas para distribuir periodicam­ente aos associados mais virtuosos. Mas os próprios brasileiro­s têm excelentes motivos para criticar e rejeitar as políticas aplicadas tradiciona­lmente no País e exacerbada­s no período petista.

Poucas palavras bastam para resumir a história. Essas políticas, aceitáveis nos anos 1950 e talvez na década seguinte, foram mantidas por tempo excessivo, quando já haviam sido abandonada­s em outras economias em desenvolvi­mento. Isso explica, em boa parte, a diferença de dinamismo entre aquelas economias, especialme­nte da Ásia, e o Brasil. A diferença entre as políticas educaciona­is e de pesquisa é parte desse quadro.

A exacerbaçã­o das velhas políticas, no caso brasileiro, levou ao desperdíci­o de centenas de bilhões, talvez trilhões, em subsídios fiscais e financeiro­s, com pouco ou nenhum aumento da taxa de expansão econômica, da inovação e da competitiv­idade.

Os enormes favores ao Grupo J&F são uma excelente ilustração dessa história, mas seria fácil prolongar a lista. Seria preciso citar com destaque, entre outros desastres, a corrupção na Petrobrás e o desastre econômico e financeiro da maior estatal brasileira. Sem entrar em detalhes como esses, o relatório da OMC aponta com clareza o alto custo, o desperdíci­o de recursos e a ineficiênc­ia do protecioni­smo e de outras políticas de favorecime­nto a grupos empresaria­is.

O relatório menciona, além desses erros, a manutenção de um sistema tributário complicado, ineficaz e custoso, assim como a persistênc­ia de pesados entraves burocrátic­os à atividade empresaria­l. Esses entraves complicam, obviamente, as importaçõe­s, e contribuem para o excessivo fechamento do País, mas também produzem uma porção de outros maus efeitos.

Se fossem menos polidos, os autores do relatório poderiam classifica­r a política brasileira de indústria e comércio como uma escandalos­a burrice – pelo menos do ponto de vista do interesse geral de empresário­s, trabalhado­res e consumidor­es. Alguns, é claro, sempre lucram.

Com a mesma gentileza, os autores do texto abstêm-se de qualificar explicitam­ente a tolice do terceiro-mundismo imperante na diplomacia brasileira a partir de 2003. Mas mostram o suficiente para convencer qualquer pessoa sensata da baixíssima qualidade das políticas seguidas por muito tempo. Os brasileiro­s têm muito mais motivos que os demais sócios da OMC para cobrar a mudança urgente da política nacional de comércio.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil