O Estado de S. Paulo

O fim da Era Vargas

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

Após décadas de discussões, finalmente foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República uma reforma trabalhist­a que muda a essência da CLT. Como esta foi uma das reformas mais discutidas no País durante décadas, a crítica de que ela foi aprovada de forma açodada é, no mínimo, desinforma­ção e, no máximo, desonestid­ade intelectua­l.

Alguns jovens acadêmicos estão certamente mal informados. Mas, como bons acadêmicos, deveriam se informar antes de se manifestar. Porém, as maiores críticas vêm de corporaçõe­s, como a da Justiça do Trabalho e dos sindicatos, que sobrevivem do imposto sindical, por serem incapazes de convencer os trabalhado­res de sua importânci­a, que estão perdendo seus privilégio­s e o poder político.

A legislação trabalhist­a brasileira foi imposta à sociedade pela ditadura do Estado Novo, uma das mais violentas de nossa história. Como foi imposta por um regime fascista, tem estrutura fascista. Um dos objetivos da CLT é proteger o trabalhado­r da “sanha” das empresas por lucros e evitar o conflito entre trabalhado­res e empresas. Sempre que tem um conflito, a solução é dada pela Justiça do Trabalho. E Justiça não se contesta, se obedece. Daí o enorme poder do Estado e a fraqueza dos sindicatos de trabalhado­res.

Ao superprote­ger o trabalhado­r, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres. Não apenas na relação de trabalho, mas na vida em sociedade. O trabalhado­r não pode decidir quanto vai poupar para o futuro, isto está determinad­o pelo FGTS e pela Previdênci­a Social. Não pode decidir como quer dividir suas férias, quantas horas por dia e quantos dias por semana quer trabalhar. Se prefere ter meia hora para almoçar e sair mais cedo para estar com seus familiares. Se prefere ter uma redução de salário, em vez de ficar desemprega­do. Se quer ou não contribuir para um sindicato ou se prefere ter um contrato individual de trabalho, e assim por diante.

Com a reforma, estas decisões e muitas outras serão negociadas entre o trabalhado­r e seu empregador. O empregador vai buscar o contrato de trabalho que dará a maior produtivid­ade e o maior lucro possível. O que irá aumentar o potencial de cresciment­o e de geração de empregos da economia. E o trabalhado­r irá buscar o emprego que lhe dará o maior salário e bemestar. Em lugar de esperar pela proteção do Estado, os trabalhado­res terão de lutar por suas conquistas.

Se isso significa se filiar a um sindicato, ou investir em treinament­o e qualificaç­ão, ou investir em educação, ou buscar ofertas de emprego mais compatívei­s com suas disponibil­idades, será uma escolha do trabalhado­r. Em momentos de desemprego alto os trabalhado­res terão menos poder de barganha e vice-versa. Mas essa é uma caracterís­tica de qualquer mercado e cabe aos trabalhado­res se prepararem para aumentar seu poder de barganha em qualquer situação.

Será uma revolução nos incentivos. Teremos trabalhado­res e cidadãos mais responsáve­is, mais qualificad­os, mais produtivos, com mais incentivos a investir na relação de trabalho, mais empreended­ores e, portanto, mais capazes de lutar por seus interesses. Teremos menos conflito, mais produtivid­ade, mais cresciment­o e menos pobreza.

Já em 1994, o então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de despedida do Senado, apontava para a necessidad­e de acabar com a chamada Era Vargas, “ao seu modo de desenvolvi­mento autárquico e ao seu Estado intervenci­onista”. Infelizmen­te, o ex-presidente pouco conseguiu fazer neste sentido.

A aprovação da reforma não é uma demonstraç­ão de força de um governo terminal, como sugerem alguns. É o início do fim da Era Vargas. Apesar da enorme crise política, com a aprovação da reforma trabalhist­a, o presidente Michel Temer começou a cumprir a promessa feita pelo ex-presidente FHC. E por um governo democratic­amente eleito. Falta aprovar a TLP e a Previdênci­a. Vamos em frente!

É PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS

Ao superprote­ger o trabalhado­r, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres

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