O Estado de S. Paulo

Encontro entre grandes

Antonio Meneses e André Mehmari comemoram seus aniversári­os com CD genial

- ANDRÉ MEHMARI E ANTONIO MENESES Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141, tel. 5080-3000. De 18 a 20/8. João Marcos Coelho

Antonio Meneses e André Mehmari lançam CD juntos

O escritor cubano Alejo Carpentier, frequentad­or assíduo das feijoadas semanais no apartament­o parisiense de VillaLobos na Place St. Michel nos anos 1920, definiu com precisão a natureza da música de seu amigo brasileiro: “Villa-Lobos pensa como palmeira, sem sonhar com pinheiros nórdicos”. E adverte: “Repetimono­s il pleut dans mon coeur, como o suave poeta, para enganar o incêndio tropical que temos dentro de nós”.

O mágico encontro entre o pianista, compositor e arranjador niteroiens­e criado em Ribeirão Preto André Mehmari, 40 anos, e o violonceli­sta pernambuca­no Antonio Meneses, 60 anos, criado no Rio e hoje um dos grandes músicos clássicos do mundo, assume esse “incêndio tropical” que está no nosso DNA.

São dois músicos extraordin­ários que comemoram dois aniversári­os redondos em 2017 – André seus 40 anos, Antonio seus 60 – oferecendo-nos esse CD AM60 AM40, que será lançado pelo Selo Sesc em agosto em apresentaç­ões em Ribeirão Preto (dia 17, no Teatro Municipal) e São Paulo (de 18 a 20 no Sesc Vila Mariana).

André assina duas transcriçõ­es de Bach e durante as 15 faixas jura que segue a partitura, mas com direito “a ornamentaç­ões dentro do estilo!”, esclarece. Suas trajetória­s se cruzam em momentos distintos: Antonio, depois de consolidar-se como grande violonceli­sta clássico na Europa, temse voltado para as raízes brasileira­s na última década; André vive seu momento mais notável: consolida-se como compositor sinfônico e está cada vez mais fulgurante como pianista improvisad­or. Grava muito em seu estúdio Monteverdi, na serra da Cantareira, em São Paulo (só este ano já lançou Dorival, em que toca Caymmi em quarteto com Proveta; este AM60 AM40; e Suíte Policarpo, que lança em recital na Flip).

O CD começa e termina com Bach e duas de suas mais conhecidas melodias: o Arioso da cantata BWV 156 e a ária da quarta corda, da suíte para orquestra n.º 3 BWV 1068. Entre um e outra, passeiam por Tom Jobim (antológica performanc­e de Sem Você) e peças mais encorpadas de dois argentinos: a Pampeana n.º 2 de Ginastera; e o Gran Tango, de Piazzolla, dedicado a Rostropovi­ch.

Mehmari é camerístic­o por natureza. Cresce assustador­amente nesses encontros – como se fosse possível determinar onde é mais superlativ­o, já que também no piano solo sua arte é hoje magistral. A pimenta do improviso faz a magia do duo, diz ao Estado: “Talvez eu tenha trazido elementos bastante novos para ele, principalm­ente o fato de eu nunca tocar a mesma peça duas vezes do mesmo jeito. Isso tem a ver com minha natureza de improvisad­or, algo quase extinto há muito tempo no território da música de concerto”. De seu lado, Antonio diz: “Cantar para mim é a forma máxima da música. Eu sempre tive o sonho de cantar com o violoncelo esse tipo de música”.

O momento mágico desse encontro de gigantes é a Suíte Brasileira, que Antonio encomendou a André. Em 5 movimentos e 15 minutos, levanos a uma viagem pelo “incêndio tropical” que temos todos dentro de nós.

O Prelúdio tem centelha e pegada dos célebres prelúdios das suítes para violoncelo de Bach. Ao mesmo tempo, as harmonias virtuais soam monumentai­s no violoncelo de Antonio, construído pelo lutiê italiano Filippo Fasser, em 2013. André capta, em arpejos e melodias em notas duplas, todas as possibilid­ades expressiva­s desse instrument­o tão excepciona­l quanto o músico que o pilota.

O choro-canção é uma das mais belas melodias que André já criou. Mais que villa-lobiana, tem cheiro das rodas de choro dos anos 1910 no Rio de Janeiro. Brasileirí­ssimo.

O frevo frenético remete às raízes de Antonio e a valsa ao maravilhos­o universo dos pianeiros que, desde o final do século 19 e ao longo da primeira metade do século 20 transporta­ram e reinventar­am esse gênero tão vienense às nossas esquinas (impossível não lembrar as valsas de esquina de Mignone, anfíbio genial conhecido nas rodas populares como Chico Bororó). Um sacudido baião encerra em clima de arrasta-pé essa linda Suíte Brasileira, buquê que André Mehmari oferece a Antonio Meneses em seus 60 anos.

 ?? ESTÚDIO MONTEVERDI ?? Gigantes. Meneses e Mehmari
ESTÚDIO MONTEVERDI Gigantes. Meneses e Mehmari
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil