O Estado de S. Paulo

O difícil diálogo entre a França profunda e a juventude rebelde

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Arepetição de certos temas ao longo da história do cinema dá a entender que eles não cansam jamais o espectador. Por exemplo, quer coisa mais surrada nas narrativas em geral que a dos dois tipos opostos que, após certo convívio, se tomam de estima um pelo outro e acabam por se reconcilia­r?

Pois bem, lá vem ele, mais uma vez, em Tour de France, de Rachid Djaïdani. Aqui temos a antiga questão francesa da assimilaçã­o problemáti­ca dos filhos de imigrantes pela cultura do país. Houve um tempo em que se chamava essa moçada de “deuxième génération”, a segunda geração de famílias do Magreb, agora residentes franceses. Jovens divididos entre as exigências do país de adoção e as tradições mantidas pelas famílias.

O tempo foi passando, e essa assimilaçã­o não deixou de ser problemáti­ca. Tanto assim que está tematizada no filme de Djaïdani, ator e diretor francês de origem árabe. Far’Hook (Sadek) é um rapper que, encrencado com um rival violento em seu bairro, precisa sumir do mapa por uns tempos. Como ele vai se apresentar num concerto em Marselha, seu amigo e empresário arruma uma solução: substituí-lo numa viagem para acompanhar seu pai, Serge (Gérard Depardieu).

Este vai fazer um périplo pelos portos franceses, nos passos do pintor de marinas do século 18, Joseph Vernet. A convite do rei Luiz XV, Vernet pintou os portos franceses. Os motivos de Serge são outros e mais ligados ao coração que à política portuária.

Apesar de previsívei­s, as situações tornam-se bem divertidas. Em especial pela sempre marcante presença em cena de Depardieu, cuja figura rotunda e debochada faz parte do imaginário gaulês. Ele, que foi astro do melhor cinema francês do século e fez par romântico com Fanny Ardant na nouvelle vague, tornou-se o eterno Obelix. Símbolo da França, glutão, apreciador de vinho, forte e generoso. Um tanto irascível, como convém.

São de Depardieu as melhores falas, ainda que tiradas de um roteiro pobre, mas que, em sua interpreta­ção, ganham vivacidade. Sadek não faz feio e sai-se melhor em situações mais emotivas

que nas cômicas. É previsível: não se espera que alguém trabalhe de igual para igual com um monstro sagrado como Depardieu.

O fato é que o filme, malgrado algumas fraquezas de roteiro e estrutura, acaba ganhando boa química, e acompanham­os a dupla com interesse, mesmo que desde o início saibamos mais ou menos como as coisas vão evoluir. A insistente temática da reconcilia­ção sempre se renova porque convoca nossos bons sentimento­s, mesmo em tempos árduos. Evoca a necessidad­e de entendimen­to e vê na superação de diferenças o enriquecim­ento mútuo das partes antagônica­s.

Eis aí uma sugestão para nossos diretores. Que tal um road movie com um “coxinha” e um “mortadela” viajando pelos fundões do Brasil e observando a nossa realidade, cada qual com seu olhar e sensibilid­ade?

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