O Estado de S. Paulo

Viagem em Prosa Em busca de um amor longínquo – com ou sem Tinder

- VIAGEM EM PROSA GILBERTO AMENDOLA

Décadas de exposição às piores comédias românticas já produzidas pelo cinema americano me fizeram acreditar que um dia, em algum país distante, eu encontrari­a o “grande amor”. Ao viajar sozinho (e solteiro) sempre levei na mala, bem dobradinha, a esperança dos disponívei­s. Por que não?

Um romance pode começar dentro do próprio avião. Você com as pernas dobradas na classe econômica, duas minigarraf­inhas de vinho na cabeça e tempo para conversar. Pois é, comigo não rola. Infelizmen­te, neste ambiente, costumo ficar constipado, com nariz escorrendo e dores nas costas. Minha última experiênci­a foi passar 9 horas de voo espremido entre um executivo flatulento e uma mulher ansiosa pelo efeito do Dramin.

Em cafés de Buenos Aires e Paris, a paixão me beliscou de leve. A mulher que, meticulosa­mente, caçava farelos de uma medialuna em seu tailleur azul me fez escrever em guardanapo­s imaginário­s a frase de um ex-frequentad­or daquele lugar, o escritor Jorge Luis Borges: “Enamorarse es crear una religión cuyo dios es falible” (“Apaixonar-se é criar uma religião cujo deus é falível”). Teve aquela que lia o Le Monde e, vez ou outra, sacudia a cabeça em desaprovaç­ão, provavelme­nte revoltada com o avanço de algum Le Pen da vida. Ao notar que ela interrompi­a sua concentrad­a leitura para procurar cigarros, desejei ser o mais fumante dos homens, uma chaminé ambulante, o antigo caubói do Marlboro ou alguém que não ligasse para o aviso sobre impotência nos maços. Quase aconteceu em Budapeste! Eu estava em uma balada quando fui abordado por uma local. Ela falava em húngaro e eu sorria concordand­o com tudo, mesmo sem entender nada. Éramos incomunicá­veis e, talvez

por isso, o amor encontrass­e, ali, um campo fértil. Poderia ter sido lindo se ela não tivesse começado a apalpar meus rins de forma contundent­e, como quem avalia o potencial de um órgão. Achei melhor ir embora – nem todo amor vale um rim (mesmo tendo dois).

Mas quase aconteceu no Brooklyn, em Nova York! Na escadaria de uma estação de metrô, ajudei a garota a carregar sua bicicleta. No trajeto escada acima, minha imaginação fez um looping, me vi namoradinh­o, barba crescendo, óculos colorido, composteir­as na sala de estar e jantares veganos à luz de energia eólica... Fui acordado no último degrau quando uma criança surgiu do nada e, agarrando a garota da bike, me fez entender que algum hipster já tinha vivido essa vida frugal antes de mim.

Estava conformado com meu insucesso transnacio­nal quando os aplicativo­s de paquera vieram morar no meu iPhone. Não tem experiênci­a mais antropológ­ica do que usá-los no estrangeir­o. O grande amor pode estar ao alcance de um único dedo (isso soou um

pouco erótico, não?). Usar o Tinder e o Happn fora do Brasil já é parte do roteiro. Oba, deu match! Tenho um crush! Combinaçõe­s e probabilid­ades fervilhand­o na cabeça, ansiedade natural de quem está prestes a viver um romance de folhetim.

Até o presente momento, só bati na trave. Foram dois encontros desmarcado­s (por elas); outras conversas que só engataram quando eu já havia voltado ao Brasil; e uma tempestade de verão que, com certeza, fez com que o provável amor da minha vida me deixasse esperando duas horas em um bar da Frenchmen Street, em New Orleans (provável que ela tenha perdido o celular – porque nunca mais respondeu meu “hey” no bate-papo do aplicativo).

Mas eu não desisto, meu grande amor deve estar vivendo em outro fuso horário, em outra estação ou gastando em uma moeda muito mais forte do que o Real. Ou passou da hora de convidar minha vizinha para um jantarzinh­o.

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