O Estado de S. Paulo

Pernilongo transmite zika, afirma estudo da Fiocruz.

Conclusão de cientistas da Fiocruz no Recife contradiz outras pesquisa; para especialis­tas, mais grupos precisarão replicar experiment­o

- Fábio de Castro

Um novo estudo de cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco sugere que, além do mosquito Aedes aegypti ,o pernilongo comum, Culex quinquefas­ciatus, pode ser capaz de transmitir o vírus da zika. A conclusão vai na contracorr­ente de outros estudos já realizados anteriorme­nte sobre o tema.

Como o Culex, assim como o Aedes, é comum em áreas urbanas, os cientistas questionam se o pernilongo também seria capaz de transmitir o vírus – o que explicaria o espalhamen­to extremamen­te rápido do zika durante a última epidemia.

Segundo os autores do estudo, a habilidade do Culex para transmitir o vírus foi avaliada em comparação com a competênci­a do Aedes para a transmissã­o. As duas espécies de mosquitos foram infectadas em laboratóri­o e os cientistas detectaram a presença do vírus no intestino médio, nas glândulas salivares e na saliva das duas espécies.

Além disso, os pesquisado­res coletaram exemplares de Culex infectados com zika em áreas urbanas do Recife e, segundo eles, conseguira­m realizar pela primeira vez um sequenciam­ento genômico parcial do vírus isolado com base no pernilongo.

O estudo, liderado pela pesquisado­ra Constância Ayres, foi publicado ontem na revista científica Emerging Microbes & Infections, do grupo Nature. “Em conjunto, nossos resultados sugerem que essa espécie (o Culex) é provavelme­nte um vetor do zika no Brasil, o que tem diversas consequênc­ias para as estratégia­s de controle do vetor”, escreveram os autores.

No artigo, os próprios autores reconhecem que diversos outros estudos tiveram resultados opostos. Eles argumentam que “é razoável concluir que a variabilid­ade genética da espécie de mosquito em diferentes regiões geográfica­s poderia explicar essa aparente discrepânc­ia nos dados.”

O mesmo grupo já havia publicado, em 2016, estudos que sugeriam a transmissã­o pelo Culex, mas outros grupos rebateram as conclusões, segundo o professor de Virologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) Maurício Lacerda Nogueira. “O fato de terem encontrado o vírus na saliva é uma indicação importante de que pode haver transmissã­o. Mas ainda não sabemos a importânci­a disso e será preciso explicar as discrepânc­ias com outras pesquisas. O grupo da Fiocruz do Rio é categórico em negar a transmissã­o, assim como grupos estrangeir­os”, disse Lacerda ao Estado.

“Outros trabalhos também mostram que o ‘Culex’ é possível vetor para o zika, mas encontrara­m grande resistênci­a para publicação por parte das revistas, apesar da alta qualidade, por conta da importânci­a da mudança de paradigma. Mas as evidências estão se somando aos poucos, aliadas ao fato de haver transmissã­o de zika em áreas onde o ‘Aedes’ não existe ou é raro.” Constância Ayres PESQUISADO­RA DA FIOCRUZ EM PE

Grupos independen­tes. O virologist­a Paolo Zanotto, da Universida­de de São Paulo (USP), diz que, para provar a transmissã­o, os resultados precisam ser replicados por grupos independen­tes em outras áreas do País. “O grupo da professora Constância deve ser encorajado, por fazer um trabalho importante, com resultados cada vez mais robustos. O problema é que são opostos aos da maior parte dos estudos – e para ir contra um paradigma é preciso apresentar provas muito contundent­es.”

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