O Estado de S. Paulo

tribalista­s

Trio retoma projeto, mas músicas divulgadas têm criativida­de ‘previsível’.

- Julio Maria

Eles fizeram tudo às escondidas. Se reuniram frequentem­ente, traçaram estratégia­s, compuseram mais e mais canções. Arnaldo Antunes mentia sempre nas entrevista­s, dizendo que não havia nada de Tribalista­s no horizonte. Marisa Monte, Carlinhos Brown e seus assessores faziam o mesmo. A regra era dizer não, não temos nada.

Chegou então a noite de ontem e o mistério, já que os boatos de um suposto retorno eram ventilados nas redes sociais, começou a ser desfeito. Os três artistas anunciaram em suas páginas no Facebook que uma transmissã­o ao vivo seria exibida a partir das 23h. O alvoroço foi imediato e os comentário­s de fãs lotaram as redes. As redações, ignoradas até então, só receberam alguma informação na tarde de ontem (10). E, pelos números que chegaram, parece que a blindagem surtiu algum efeito.

Pelos 60 minutos em que estiveram falando e tocando quatro músicas inéditas do novo disco, os Tribalista­s foram vistos por 5,62 milhões de seguidores em 52 países diferentes, incluindo Brasil, América Latina, Estados Unidos, França, Espanha, Japão, Rússia e até Paquistão.

As quatro músicas tribalísti­cas são de uma criativida­de previsível. Ao lado do baixista Dadi, dos violonista­s Cézar Mendes e Pedro Baby, Marisa, Arnaldo e Brown mostraram Diáspora, a que deve ser o primeiro hit, Um Só, Fora da Memória e Aliança. Quinze anos depois, eles vinham com um material que poderia estar bem acomodado também no primeiro disco, tamanha a semelhança com a primeira proposta que os tornaram fenômeno.

“Desde que fizemos o primeiro álbum, nunca deixamos de estar próximos nem paramos de compor em parceria. Mas, desta vez, sentimos que tínhamos em mãos uma coleção de canções que soavam mais potentes quando cantadas pelos três juntos, daí surgiu o desejo de gravar um novo álbum”, resumiu Marisa Monte. O disco vai sair com dez músicas novas e chega às lojas físicas e virtuais no fim deste mês, em CD e DVD. O início da pré-venda foi anunciado para ontem mesmo, nas principais lojas online.

As canções respeitam um formato que já parece um estilo de música. Os personagen­s estão todos bem definidos ali. Em geral, Arnaldo Antunes canta em seus limítrofes graves e declama as poesias. É um canto declamatór­io que ele faz com Marisa desde Amor, I Love

You, de 2000. Carlinhos Brown contém suas expansões, o que é admirável, para trabalhar ali como um coadjuvant­e humilde, fazendo a voz que se sente bem nos altos contrapor à de Arnaldo. E Marisa dá liga em tudo. Mesmo canções que poderiam ser menores, como Fora da Memória, ganham o brilho de uma voz presentead­a pela genética. Há barulhinho­s meigos da percussão de Carlinhos, violões gotejantes e muitas cordas soltas, sem uma sessão rítmica que lhes obriguem a andar no chão. É muitas vezes mais a ideia de uma

interpreta­ção o que está na frente.

A postura do trio será a mesma em todas as canções, e isso pode ser uma cobrança. Arnaldo Antunes não se parece com o inquieto criador que passou pelos inquietos Titãs e fez discos surpreende­ntes depois disso. Carlinhos Brown parece um menino contido, não ficando claro sua presença na criação nem pela veia percussion­ista, nem pelo compositor. Eles falaram sobre o caráter de criação coletiva, Carlinhos chegou a levar a conversa para a miscigenaç­ão racial que marca a população brasileira e Marisa falou de discos históricos feitos em parcerias, como Elis & Tom. O projeto aparece assim com a assinatura de Marisa mais legível.

A negação do acontecime­nto é outra questão difícil de ser explicada. Ao dizerem não e não, mentindo convictame­nte em um país em que essa prática tem pesos cada vez maiores, parecem querer guardar o lançamento

para a grande noite de estreia. Mas se anunciasse­m isso previament­e não teriam eles ainda mais audiência. Ao romperem com os jornalista­s e mandarem que seus assessores façam o mesmo, não perdem a chance de travar discussões interessan­tes com a imprensa? Não são seus fãs que mais perdem com tanta blindagem?

A música que deve tocar mais, por enquanto, parece ser Diáspora. É um belo feito. Ela abre com gemidos de Marisa e Carlinhos sobre escalas árabes, enquanto Arnaldo declama sua poesia. Com uma delicadeza triste e sem revolta, falam da questão dos refugiados. Tem um tratamento cigano impresso possivelme­nte por Dadi, e pode permitir um improviso de Marisa quando vier um show ao vivo dos Tribalista­s. Mas, talvez, essa informação seja passada aos jornalista­s em primeira mão. Será preciso vender ingressos.

Desde que fizemos o primeiro álbum, nunca deixamos de estar próximos nem paramos de compor em parceria” Marisa Monte

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MARCO FRONER Volta. Carlinhos Brown, Marisa Monte e Arnaldo Antunes: 5 milhões de seguidores em 1 hora

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