O Estado de S. Paulo

Apelo à força vira moda

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Agora virou moda: quando os partidos ditos de esquerda e os movimentos autoprocla­mados sociais, os mesmos que jogaram o País na pior crise econômica, social e moral de sua História, não conseguem o que querem por meio do voto, tentam impedir o funcioname­nto das Casas Legislativ­as pela força. Simples assim. Foi o que aconteceu no Senado há um mês e, como o exemplo vem de cima, o que se repetiu terça-feira passada na Câmara Municipal, cujo plenário foi ocupado por cerca de 70 estudantes e militantes de partidos de esquerda com o apoio de líderes bem conhecidos deles.

Desmoraliz­ados pela incompetên­cia e pelos escândalos de corrupção, eles não têm mais força política, apoio popular e votos e, por isso, não hesitam em apelar para o grito e a intimidaçã­o. Por meio, é claro, de pessoas interposta­s, que ninguém é de ferro. No caso, jovens estudantes, bem seduzidos, instruídos para a luta e transforma­dos em baderneiro­s. Bastam algumas dezenas desses “manifestan­tes” queimando pneus e impedindo a circulação em vias estratégic­as ou ocupando o plenário da Câmara, como fizeram os 70 destemidos deles, terça e quartafeir­a, para produzir efeito consideráv­el, com repercussã­o nos meios de comunicaçã­o.

O que queriam eles? Protestar contra os projetos de lei de privatizaç­ão de serviços e equipament­os públicos encaminhad­os pelo prefeito João Doria, em tramitação na Câmara. Protestava­m também contra restrições impostas ao passe livre estudantil e pediam a realização de 32 audiências públicas para discutir projetos de concessão idealizado­s pela Prefeitura. Em outras palavras, aquilo que cabe à maioria dos vereadores decidir, como representa­ntes eleitos pela população – não é assim na democracia? –, meia dúzia de gatos-pingados se achou no direito de fazer, no grito e pela força, porque representa o “povo”, isto é, PT, PSOL, União Nacional dos Estudantes (UNE), Movimento Pela Cultura, Levante Popular Pela Juventude, Fora do Eixo e Unidade Popular Socialista. “Povo”, acredite quem quiser.

Tal como na “ocupação” da Mesa do Senado por meia dúzia de valentes senadoras, entre elas a atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann – a cujo protesto, inédito nos anais da Casa, contra a aprovação da reforma trabalhist­a, não faltou a amenidade de um lanche como se aquilo fosse um piquenique –, também os bravos ocupantes do plenário da Câmara Municipal, que ali passaram a noite, tiveram direito a pizzas e refrigeran­tes, além de 200 pães com manteiga, sem falar no acesso aos banheiros, que havia sido cortado pelo presidente da Casa, vereador Milton Leite (DEM), e corretamen­te, porque afinal ali não é parque público nem casa da sogra. Todas essas concessões aos baderneiro­s foram negociadas – o que não é de surpreende­r – pelos vereadores Eduardo Suplicy (PT) e Juliana Cardoso (PT).

A Mesa da Câmara errou em pedir reintegraç­ão de posse para retirar os baderneiro­s do plenário, o que está virando regra em casos semelhante­s. Situações como essas nada têm a ver com reintegraç­ão de posse. O que nelas se tem de fazer é simplesmen­te solicitar a intervençã­o da Polícia Militar – ou chamar a Polícia Legislativ­a, se for o caso – para retirar os invasores. Isso só não é feito porque, no caso da invasão de prédios públicos, as autoridade­s se acovardam diante da audácia e do atreviment­o do que se autoprocla­mam porta-vozes do “povo”.

É especialme­nte incompreen­sível que justamente representa­ntes eleitos pelo povo ajam dessa forma, amedrontad­os pelos arreganhos de tais agitadores. E no caso da Câmara paulistana essa não é primeira vez que ela é abusivamen­te pressionad­a pelos ditos movimentos sociais. Em 2014, por ocasião da votação do Plano Diretor da cidade, o Movimento dos Trabalhado­res Sem-Teto (MTST) não hesitou em cercar o prédio do Legislativ­o para dele arrancar concessões. E conseguiu.

É preciso acabar com o medo e a concessão à baderna, que não é uma manifestaç­ão democrátic­a. É selvageria que não se justifica.

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