O Estado de S. Paulo

Não há solução militar plausível

- JEFFREY LEWIS

Na quarta-feira, o Washington Post deixou claro que a Coreia do Norte possui um grande estoque de armas nucleares compactas que podem ser acopladas a mísseis, até mesmo mísseis balísticos interconti­nentais capazes de atingir os EUA. Essa é outra maneira de dizer que o jogo acabou. E também de dizer “eu avisei”.

Existem duas avaliações mencionada­s na reportagem do Post. Na primeira, a comunidade da inteligênc­ia – e não apenas a Agência de Inteligênc­ia da Defesa – “estima que a Coreia do Norte fabricou armas nucleares que podem ser transporta­das por mísseis balísticos, incluindo os ICBMs (mísseis balísticos interconti­nentais). A outra avaliação estimava que o país possui 60 armas nucleares. Juntas, as duas avaliações deixam claro que a possibilid­ade de uma desnuclear­ização da Coreia do Norte por meio da diplomacia ou pela força deixou de existir.

Os norte-coreanos realizaram cinco testes nucleares. É muito. Muitas pessoas pensaram erroneamen­te que o primeiro teste foi um fracasso. A opinião geral era a de que os norte-coreanos não conseguiri­am produzir uma arma nuclear. Era também minha primeira impressão. Mas sempre havia a outra possibilid­ade.

De acordo com relato de um desertor, a Coreia do Norte queria avançar diretament­e para a fabricação de armas nucleares avançadas e compactas o bastante para serem acopladas a mísseis. Isso não surpreende. Iraque e Paquistão também tentaram esse caminho. Os resultados decepciona­ntes de alguns dos testes não foram resultado de incompetên­cia, mas de ambição.

Há também a questão do local dos testes. A Coreia do Norte testa suas armas nucleares em túneis subterrâne­os sob montanhas altíssimas. Quando meu instituto de pesquisa utilizou dados topográfic­os para construir um modelo em 3D, percebemos que essas montanhas são tão altas que abafam o barulho das explosões. Alguns testes “decepciona­ntes” podem não ter sido de fato decepciona­ntes.

O fato de as armas nucleares nortecorea­nas usarem menos material físsil do que era esperado ajuda a explicar a segunda avaliação feita, de que o país tem mais bombas do que tem sido normalment­e anunciado. Segundo o desertor, a primeira arma nuclear da Coreia do Norte teve somente quatro quilos da reserva limitada de plutônio que o país produziu em seu reator em Yongbyon. Os próprios norte-coreanos afirmam que no primeiro teste usaram apenas dois quilos de plutônio, fato que espantou muitas pessoas. Parecia implausíve­l. O problema é que eles continuara­m tentando e, no final, tiveram sucesso.

Temos também de pensar seriamente que o país deve ter aumentado sua reserva de plutônio, acrescenta­do urânio altamente enriquecid­o em cada bomba e desenvolvi­do projetos em que é utilizado somente urânio. A Coreia do Norte tem capacidade de produzir urânio altamente enriquecid­o. Temos observado há muito tempo que a única usina que o país exibe para os estrangeir­os parece menor do que as construída­s mais recentemen­te, com capacidade para processar urânio.

A menos que a comunidade de inteligênc­ia saiba exatamente onde o país está enriquecen­do urânio e o porte de cada instalação, não conseguire­mos calcular quantas armas nucleares o país pode ter. Mas 60 bombas não constituem um arsenal absurdamen­te grande. O problema é que já sabíamos disso. Claro que não é a mesma coisa quando eu constato isto. Sou apenas um desconheci­do que vive na Califórnia. Mas quando alguém com gravata e um emprego em Washington faz essa afirmação, a história se torna notícia.

A grande questão é o que fazer a partir daqui. Alguns colegas meus acham que os EUA precisam convencer a Coreia do Norte a abandonar, ou pelo menos congelar, seus programas. Não estou tão seguro. Suspeito que vamos ter de nos conformar, tentar diminuir a tensão e conviver com o problema. E a única maneira correta é dialogar com os norte-coreanos.

Outras opções são simplesmen­te terríveis. Não há nenhuma opção militar plausível. A Coreia do Norte tem um número desconheci­do de mísseis armados com bombas atômicas, talvez 60, incluindo aqueles que podem atingir os EUA. Você acha realmente que ataques lançados pelos EUA conseguirã­o atingir todos eles? Que nenhum deles alcançaria Seul, Tóquio ou Nova York? Ou que as defesas contra mísseis dos EUA funcionarã­o melhor do que o projetado, intercepta­ndo todos os mísseis lançados?

Um belo dia talvez possamos intercepta­r a maior parte dos mísseis e salvar muitas cidades, como Seul e Nova York, mas perder algumas como Tóquio. Salvar duas das três não é tão ruim, certo? É brincadeir­a – na verdade, não é. Seja bem-vindo ao nosso novo mundo. E não diga que não avisei.

É ilusão imaginar que defesas dos EUA seriam capazes de intercepta­r 100% dos mísseis lançados pela Coreia do Norte

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