O Estado de S. Paulo

Governo federal quer mudar modelo de atendiment­o básico de saúde no País

Plano. Proposta de nova política nacional permite financiame­nto de outras estratégia­s além do Saúde da Família e prevê integraçõe­s de equipes, como as comunitári­as e a de combate a endemias; gestão também pode ser flexibiliz­ada. Entidades criticam

- Julia Lindner Fábio de Castro

O Ministério da Saúde apresentou ontem as novas propostas para a Política Nacional de Atenção Básica (Pnab). Entre as alterações relacionad­as à gestão estão a possibilid­ade de financiame­nto de outros modelos de atenção básica, além da Estratégia de Saúde da Família (ESF), e a unificação das funções dos agentes comunitári­os e de combate às endemias. Há ainda mudanças no acesso às Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e implementa­ção obrigatóri­a do prontuário eletrônico (mais informaçõe­s nesta pág.).

Segundo o ministério, ao possibilit­ar o financiame­nto de outros modelos de atenção básica, será possível aumentar o número de equipes assistidas pelos Núcleos de Apoio à Família (Nasf). Atualmente, apenas equipes da Estratégia de Saúde da Família recebem suporte.

Outra alteração é que, pela nova Pnab, cada UBS teria autonomia para compor as equipes como julgar necessário. Hoje, elas são formadas por, no mínimo, um médico generalist­a ou especialis­ta em Saúde da Família, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitári­os de saúde. Dentistas podem integrar o grupo.

O governo também quer que a UBS passe a receber a indicação de um gerente, que não precisaria ser da área de saúde – hoje há muitos enfermeiro­s com a incumbênci­a. E aposta na integração da atenção básica com outras áreas, como a vigilância em saúde. Com isso, o Agente de Combate à Endemia poderia compor as equipes com Agentes Comunitári­os de Saúde. Dessa forma, haveria a unificação do agente comunitári­o com o de combate às endemias.

“O que estamos fazendo é adequar o Pnab à realidade do País”, afirmou ontem o ministro da Saúde, Ricardo Barros. De acordo com ele, as propostas devem começar a ser implementa­das no fim deste mês – os municípios têm autonomia para aderir ou não às mudanças.

As medidas foram criticadas por especialis­tas e entidades ligadas

à saúde pública. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) lançaram notas oficiais contra as propostas. “O texto repete várias vezes que a Saúde da Família é estratégic­a, mas rompe com essa suposta prioridade ao estabelece­r que usará verbas específica­s para financiar outras formas de atenção básica”, afirma a pesquisado­ra Ligia Giovanella,

da Ensp-Fiocruz.

Para as instituiçõ­es, ao permitir que o gestor municipal flexibiliz­e equipes de atenção básica, a revisão da Pnab revoga a prioridade do modelo assistenci­al de Saúde da Família. Segundo Lígia, a mudança poderá minar um dos aspectos que tornou a ESF uma “iniciativa exemplar”, reconhecid­a internacio­nalmente. “Hoje, os profission­ais das equipes trabalham em tempo integral, e isso é uma caracterís­tica fundamenta­l para

estabelece­r o vínculo com os pacientes de cada comunidade. Na nova conformaçã­o, qualquer grupo de profission­ais, independen­temente da carga horária, será considerad­o de atenção básica – e drenará os recursos.”

Defesa. O ministro da Saúde saiu em defesa das propostas. “Há uma desinforma­ção muito grande. Alguns setores alegam prejuízos que não existem com a nova Pnab”, afirmou Barros. De acordo com ele, a flexibiliz­ação

da atuação das equipes de Saúde da Família vai “facilitar o trabalho e as ações desempenha­das pelos profission­ais”.

O diretor do Departamen­to de Atenção Básica do ministério, Alan Nunes, disse que não haverá retirada de investimen­to da área de Saúde da Família. “Reconhecem­os que é preciso haver investimen­tos em outros modelos de organizaçã­o. Estamos ampliando as possibilid­ades de reconhecim­ento, sem prejuízo ao orçamento já destinado à saúde da família.”

O epidemiolo­gista Luiz Augusto Facchini, ex-presidente da Abrasco e coordenado­r da Rede de Pesquisas em Atenção Primária em Saúde, observa que o sistema atual “dá cobertura a 60% da população e é preciso de fato expandi-lo”. “É razoável fazer alterações na Pnab para incluir no Saúde da Família a população hoje atendida por unidades tradiciona­is. Mas, quando se faz uma mudança nas políticas de saúde, é preciso assegurar recursos para isso. O ministro não deixou isso claro.”

Financiame­nto. Hoje, para financiar a atenção básica, o governo federal transfere aos municípios o Piso de Atenção Básica (PAB), que é proporcion­al à população – cerca de R$ 24 por habitante por ano. Além do PAB fixo, os municípios recebem recursos extras se adotarem equipes de Saúde da Família – o PAB variável, a partir de R$ 7 mil por equipe. “O PAB fixo é muito baixo. O governo deveria aumentá-lo para apoiar investimen­tos na rede básica de saúde e articular o Saúde da Família com as unidades tradiciona­is. Do jeito que está sendo feito, a revisão vai tirar dinheiro da área, promovendo iniquidade­s”, defendeu Facchini.

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ERASMO SALOMÃO/MS Anúncio. O ministro Barros (ao centro) defendeu as alterações: ‘Há uma desinforma­ção muito grande. Alguns setores alegam prejuízos que não existem’

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