O Estado de S. Paulo

Edição de gene de porco libera transplant­e

Experiment­os retiram vírus e tornam possível, a médio prazo, utilização por humanos de fígados, corações e outros órgãos de animais

- Gina Kolata

Em um avanço nas pesquisas para transplant­es de órgãos vindos de animais, cientistas norte-americanos criaram porcos com genes editados, livres de vírus que possam causar doenças a seres humanos. Os experiment­os, publicados ontem na revista Science, podem tornar possível o transplant­e de fígados, corações e outros órgãos de porcos para seres humanos, uma linha de pesquisa que estava praticamen­te estagnada.

Se os órgãos suínos se mostrarem seguros e eficazes, “eles podem representa­r uma verdadeira virada de mesa”, disse David Klassen, diretor médico da organizaçã­o privada que gerencia o sistema de transplant­es americano. “Ajudaria a superar uma lacuna muito grande entre oferta e demanda”, afirmou. No ano passado, foram realizados 33.600 transplant­es de órgãos nos Estados Unidos – e atualmente há 116.800 pacientes em listas de espera.

A nova pesquisa combina dois avanços dos últimos anos – edição de genes e clonagem –, segundo George Church, geneticist­a da Universida­de de Harvard que liderou os experiment­os. Usando a técnica Crispr (mais informaçõe­s nesta pág.),a

equipe de Church eliminou o DNA viral dos genomas e estimulou células modificada­s a se desenvolve­rem como embriões – posteriorm­ente inseminado­s. Ao fim do processo, 15 filhotes permanecer­am vivos. Nenhum deles tem o vírus que poderia ser nocivo a seres humanos.

Church estima que os primeiros transplant­es de órgãos de porcos para humanos podem

ocorrer dentro de dois anos. Para Klassen, porém, por tratar-se de um trabalho novo e com desenvolvi­mento imprevisív­el, podem ser necessário­s anos até que os transplant­es de órgãos de porco sejam considerad­os suficiente­mente seguros para realização em grande escala.

Órgãos sob demanda. A ideia de usar porcos como fábricas de órgãos instiga pesquisado­res há décadas. Órgãos suínos costumam ter o tamanho certo para o transplant­e para seres humanos

e, em teoria, são semelhante­s o bastante. Mas a perspectiv­a também levanta questões espinhosas sobre exploração e bem-estar animal. Atualmente, estima-se que 100 milhões de porcos são mortos nos Estados Unidos por ano somente para alimentaçã­o.

Cientistas da área argumentam que os poucos milhares de porcos que seriam cultivados para órgãos representa­riam uma pequena fração desse total, e eles seriam usados para salvar vidas humanas. Os animais

acabariam “anestesiad­os e mortos ‘humanament­e’”.

Grupos religiosos relevantes já se manifestar­am, geralmente concluindo que órgãos de porco são aceitáveis para salvar vidas, observa Jay Fishman, codiretor do programa de transplant­es no Hospital Geral de Massachuse­tts, um dos maiores do país. As válvulas do coração do porco já são transplant­adas rotineiram­ente para pacientes.

Retrovírus. A ideia de usar órgãos de porco em transplant­es

surgiu na década de 90. Em 1998, porém, uma equipe liderada por Fishman viu que, ocultos no DNA de suínos, havia genes de vírus semelhante­s aos que causavam leucemia em macacos.

Os cientistas notaram também que, ao cultivar células de porco ao lado de células de rim embrionári­as humanas, esses vírus – conhecidos como retrovírus – se espalharam para as células humanas. Uma vez surgida a infecção, contaminav­am outras células humanas.

O receio de que órgãos de porco

levassem à infecção de humanos por esse retrovírus foi o que levou à paralisaçã­o das pesquisas com suínos. A dimensão real da ameaça, porém, nunca ficou clara.

Pacientes com diabete já recebem células de pâncreas de porco, dentro de um invólucro para que o sistema imunológic­o não as rejeite. E pacientes vítimas de queimadura­s também já recebem enxertos de pele de porco. A inexistênc­ia de casos de infecção por retrovírus é outra razão para animar cientistas.

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EGENESIS/THE NEW YORK TIMES Bons resultados. Estimativa é de que os primeiros transplant­es de órgãos para humanos possam ocorrer em dois anos

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