O Estado de S. Paulo

Mônica Salmaso e o bem que lhe faz o sertão

Cantora lança, com shows a partir de hoje, o belo álbum ‘Caipira’

- Julio Maria

Aquele homem parecia tão intenso que Mônica Salmaso precisava chegar com cuidado. Era um rio inteiro que passava ali. Exuberante, místico, gracioso e triste, velho e criança, raso e imenso. Um outro brasileiro, da extremidad­e oposta ao sambista exaltação de si mesmo ou ao urbano, sem prosa ou poesia. Salmaso respirou fundo, entrou em sua casa e voltou com sua alma na voz.

A visita ao cancioneir­o sertanejo que ela faz em Caipira, álbum que mostra com shows a partir de hoje, no Sesc Vila Mariana, é um bom caminho de duas mãos. Uma das expressões musicais de maior poder de comunicaçã­o empresta a Mônica a possibilid­ade da abrangênci­a irrestrita, algo de que seu histórico às vezes carece à revelia de suas intenções. Ao mesmo tempo, a inescapáve­l tristeza de sua voz, um clarinete que chora sem lágrimas, torna profundo um discurso muitas vezes de relevância represada pelo preconceit­o. Mônica faz bem à música que canta e vice-versa.

Os músicos que a conhecem muito bem sabem onde chegar, tratando sua voz com a delicadeza de quem segura um vaso de louça chinesa. Teco Cardoso toca uma flauta baixo que faz a diferença em Caipira, de Breno Luiz e Paulo Cesar Pinheiro. A viola e o baixo acústico são de Neymar Dias e o piano de André Mehmari. A canção Bom Dia, de Nana Caymmi e Gilberto Gil, é trazida para esse universo pela viola de Neymar, e tem um lirismo reforçado pelo clarinete de Proveta e o acordeom de Toninho Ferragutti.

Mônica explica seu processo de escolha de músicas. “O problema é definir o que não vai entrar.” Depois de trabalhar em outro projeto, como produtora, com o violeiro e compositor Paulo Freire, ela fez sua encomenda. “Pedi músicas e ele me mandou mais de 200, entre folclórica­s e tradiciona­is. Meu desafio era chegar a um ponto que não seria o do disco regional, assim como eu jamais poderia fazer um disco de samba de raiz.”

Antes de fechar o álbum, o compositor Roque Ferreira ligou e fez uma das mais belas colaboraçõ­es, com Baile Perfumado. “Ele cantou por telefone e me capturou.” Alguns versos que a pegaram: “A dobra daquela estrada / de sofrimento enfeitada / é sombra de Sacerê / É por ali que eu chego / Onde perdi meu sossego / E a dor aprende a doer”. A percussão é de Robertinho Silva. Água da Minha Sede, também de Roque, que Zeca Pagodinho tornou um hit, define o potencial de se fazer uma leitura. Ela é aqui outra canção, e tão bela quanto.

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PAULO RAPOPORT Na janela. Aqui, técnica e emoção

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