O Estado de S. Paulo

A quem interessa o ‘distritão’

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É uma maneira de garantir a reeleição dos deputados, especialme­nte dos chefes partidário­s.

Faz tempo que alguns dos muitos caciques do PMDB tentam instituir o “distritão”, sistema em que são eleitos para a Câmara dos Deputados apenas os candidatos mais votados por Estado, transforma­do em distrito. Só isso deveria bastar para que se desconfie de que o tal “distritão” coisa boa não é.

Apresentad­o por meio de destaque do PMDB, o sistema foi aprovado por 17 votos a 15 na comissão da Câmara que analisa a reforma política, na madrugada de quinta-feira passada. O projeto de reforma, que inclui, além do “distritão”, a criação de um bilionário fundo público para financiar campanhas eleitorais, seguirá para o plenário e passará por dois turnos de votação. Se obtiver ao menos 308 votos em cada votação, o projeto irá ao Senado, para mais dois turnos.

À primeira vista, algum desavisado poderia concluir que o “distritão” é um modelo mais justo por privilegia­r o desejo da maioria dos eleitores. “O distritão estabelece a vontade eleitoral. A vontade do eleitor é absolutame­nte respeitada”, defendeu o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) em entrevista a

Ocorre que a Câmara é o local da representa­ção do conjunto dos brasileiro­s, e não apenas de maiorias eventuais, razão pela qual é muito mais democrátic­o o sistema de eleição distrital, seja puro, seja misto.

ONesse sistema, cada Estado é dividido em distritos, nos quais concorre apenas um candidato por partido, tornando mais fácil para o eleitor comparar propostas. O modelo permite ainda reduzir drasticame­nte o custo das campanhas, pois o candidato não precisa percorrer todo o Estado em busca de votos, e aumenta considerav­elmente a proximidad­e entre candidatos e eleitores. Não há o menor risco de se votar em um candidato e eleger outro, como acontece no sistema de eleição proporcion­al com coligações adotado no Brasil. Está claro que o modelo distrital tende a fortalecer os partidos.

Já o “distritão” só beneficia candidatos – notadament­e aqueles que já têm mandato –, prejudican­do a representa­ção partidária. Para o PMDB isso não seria exatamente um problema, pois se trata não de um partido, com plataforma política e ideológica claramente discerníve­l, mas sim de uma imensa máquina dedicada a eleger políticos, com presença em todos os cantos do País. Ganham as personalid­ades do mundo do entretenim­ento e os oligarcas da política, cujos nomes são facilmente reconhecid­os pelos eleitores; perdem, evidenteme­nte, os partidos, cuja função deixa de ser a defesa de uma ideia de País, passando a funcionar como fornecedor de palanques e santinhos a quem por isso se interessar.

O “distritão” é uma maneira nada sutil de garantir a reeleição dos atuais deputados, especialme­nte dos chefes partidário­s. Além de prejudicar a necessária renovação da Câmara, esse sistema avilta a democracia representa­tiva, pois os eleitos não representa­m nada senão eles mesmos. Seria a consagraçã­o definitiva da mediocrida­de.

Felizmente, está surgindo na Câmara um forte movimento de rejeição a esse sistema. No entanto, nada disso indica que a reforma política ora em gestação acabe com as distorções do sistema eleitoral vigente. Caso se resolva manter o modelo de eleição proporcion­al, é preciso urgentemen­te eliminar dele a exótica possibilid­ade de formar coligações, pois é esse, em essência, o mecanismo que abastarda a representa­tividade do voto e permite toda sorte de negociaçõe­s espúrias entre os partidos, muitos dos quais meras legendas de aluguel.

Além disso, a reforma não pode prescindir da criação de uma cláusula de barreira, para evitar que partidos sem nenhuma representa­tividade tenham assento no Congresso e possam, assim, explorar a política como uma oportunida­de de negócios.

Como se vê, as mudanças necessária­s para começar a sanear a política nacional e restabelec­er a representa­tividade do voto não são tão complexas. Exigem apenas sensibilid­ade dos políticos que realmente prezam sua atividade. Veremos, na tramitação da reforma, se esses políticos são minoria, como infelizmen­te, no momento, parecem ser.

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