O Estado de S. Paulo

Distrato, uma jabuticaba brasileira

- JOSÉ ISAAC PERES

AA lei de incorporaç­ão imobiliári­a, a 4.591, criada em 1964, veio para sanear e dar credibilid­ade à construção civil e ao mercado imobiliári­o. Naquela época, existiam esqueletos de obras que nunca foram finalizada­s e entregues. Os proprietár­ios enfrentava­m calotes por parte das construtor­as e incorporad­oras. A legislação criou direitos e obrigações tanto para os empresário­s como para os proprietár­ios. Durante mais de 50 anos, o setor funcionou em harmonia.

A vantagem da lei foi que estabelece­u uma total transparên­cia nos projetos imobiliári­os obrigando construtor­es e incorporad­ores a arquivar nos cartórios um memorial descritivo constando cronograma­s com prazo para conclusão de cada etapa das obras; descrição com detalhes de acabamento­s dos prédios; idoneidade para o incorporad­or; e, finalmente, a inadimplên­cia foi regulada através de leilões públicos.

No entanto, o aumento dos distratos forjados pelos Tribunais de Justiça, decididos com base no Código de Defesa do Consumidor, vêm dando ao comprador o direito de distratar mediante multa de 10%. O distrato é a principal causa da quebra do setor da construção civil no Brasil. A lei 4.591/64, ainda em vigor, estabelece claramente o direito de o comprador resgatar o seu capital, quando não puder pagar, através de leilões públicos. No primeiro, o comprador estabelece o preço que deseja receber. Não havendo alcançado o valor, o imóvel vai a um segundo leilão. Neste, o bem será vendido pelo preço de mercado.

Muitas vezes o imóvel, durante a construção tem uma valorizaçã­o superior a 50%, principalm­ente em fases de prosperida­de da economia. Também, nessa situação, quem constrói ou incorpora não tem o direito de pedir a restituiçã­o do imóvel.

Para restabelec­er o equilíbrio do contrato seria razoável então que ambas as partes tivessem o mesmo direito. Poderia o comprador desistir, mas poderia o construtor pedir o imóvel de volta, mediante o pagamento da mesma penalidade? Quem compraria um imóvel sabendo que o construtor teria o direito de pedir o bem mediante pagamento da mesma multa prevista no distrato? Certamente ninguém.

O distrato é a razão principal da insolvênci­a da construção civil, onde se vê os maiores pedidos de concordata­s deste País. Em 2016, 50% dos imóveis vendidos foram devolvidos.

Não existem na América Latina, na Europa ou na Ásia contratos de compra e venda com cláusula de distrato, mediante pagamento de multa. É uma verdadeira jabuticaba brasileira! O Brasil não pode ser uma exceção! Possui uma das legislaçõe­s imobiliári­as mais avançadas do mundo, hoje afetada pelas decisões dos tribunais, como se a compra de um imóvel fosse similar à de uma geladeira ou de uma televisão. Obviamente não é o caso.

A construção civil é a alavanca do desenvolvi­mento econômico de qualquer país. É sabido e repetidame­nte falado no mundo inteiro que o país vai bem quando a construção vai bem. Essa cláusula de distrato, que inibe o investimen­to na construção civil, não pode compromete­r a recuperaçã­o e o desenvolvi­mento da economia brasileira. A construção é o maior empregador de mão de obra não qualificad­a, é o setor que maior número de insumos consome. Como pode o Brasil crescer com a construção paralisada?

O que atrasa nosso País é a inseguranç­a jurídica. É saber que determinad­os setores não têm segurança na realização de seus investimen­tos. Nos últimos anos, criou-se a inseguranç­a também na construção civil, ignorando-se a lei 4.591/64, com decisões que protegeram indistinta­mente compradore­s ricos e pobres.

Precisamos resgatar a segurança jurídica e o equilíbrio dos contratos, onde cada parte assume seus direitos e obrigações. Que se reafirme e resgate a lei 4.591/64.

O Brasil não pode ser uma exceção, pois tem uma das indústrias de construção de imóveis mais avançadas do mundo! A manter-se a regra absurda do distrato estaremos nos agarrando a uma “tábua de afogados”.

A prevalecer o distrato da forma que está sendo proposta, ao final, iremos todos para o fundo! É necessário respeitar o contrato e as leis que sempre regularam a compra e venda de imóveis.

O Brasil possui uma das legislaçõe­s mais avançadas do mundo, hoje afetada pelas decisões dos tribunais

PRESIDENTE DA MULTIPLAN

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