O Estado de S. Paulo

Brasil muda regras a cada eleição desde os anos 90

Mudanças vêm dos anos 1990; especialis­tas apontam conveniênc­ia em atual reforma

- Alexandra Martins Marianna Holanda

País acumula uma mudança eleitoral a cada disputa desde a redemocrat­ização. Entre 1993, quando acabou o prazo para a implementa­ção das disposiçõe­s transitóri­as da Constituiç­ão de 1988, e 2015, quando foi feita a última minirrefor­ma política, as regras do jogo mudaram, em média, a cada 18 meses. Quase todas as alterações foram feitas em véspera de ano eleitoral, informam Alexandra Martins e Marianna Holanda.

Enquanto o Congresso avança na aprovação do distritão e de um fundo bilionário para bancar as campanhas do próximo ano, o Brasil já acumula uma mudança eleitoral a cada disputa desde a redemocrat­ização. Entre 1993, quando acabou o prazo para a implementa­ção das disposiçõe­s transitóri­as da Constituiç­ão de 1988, e 2015, quando foi realizada a última minirrefor­ma política, as regras do jogo mudaram, em média, de 18 em 18 meses.

Quase todas as alterações foram feitas em véspera de ano eleitoral. Um marco aprovado um ano antes para entrar em vigor na eleição de 1994 foi a permissão do financiame­nto de campanhas por empresas. Quatro anos depois, em 1997, também em véspera de disputa, uma emenda à Constituiç­ão deu a possibilid­ade a presidente, governador­es e prefeitos de se reelegerem, o que facilitou o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Foram 14 alterações relevantes implementa­das ao longo de 22 anos por meio de projetos de lei, propostas de emenda à Constituiç­ão (PECs) e decisões judiciais. Em três décadas, o Legislativ­o criou cinco comissões para discutir reforma política – a última delas aprovou uma série de novas normas para a eleição de 2018, que serão levadas agora ao plenário da Câmara. O Judiciário, porém, promoveu as mudanças mais relevantes.

Ao Congresso coube a aprovação de duas mudanças importante­s: a Lei da Ficha Limpa e a emenda à Constituiç­ão que liberou os partidos para negociar nos Estados coligações distintas à do plano nacional. Os dados estão publicados no livro Representa­ntes de Quem? (2017), de Jairo Nicolau, professor da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo cientistas políticos e juristas consultado­s pelo Estado, as alterações das leis promovidas pelos parlamenta­res revelam conveniênc­ia eleitoral e a busca por sobrevivên­cia política.

De acordo com o cientista político da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG), autor da pesquisa Dinheiro e Política: A Influência do Poder Econômico no Congresso Nacional, Bruno Reis, até 1997 as mudanças eram previsívei­s, porque o sistema ainda não tinha “decantado”. Contudo, ele avalia que, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começaram a mudar as regras, o Legislativ­o reagiu e, então, deuse uma nova dinâmica.

“É natural presumir que eles estejam tentando se proteger”, afirma Reis. “Há uma pressão social, pelo tamanho do descalabro, para que alguma providênci­a regulatóri­a institucio­nal aconteça, mas não acho que vai acontecer. Não acredito que (a reforma política) será uma solução construtiv­a. Será uma manobra defensiva, que talvez agrave nossos males”, diz.

Distritão e fundo eleitoral. Entre as críticas feitas pelos especialis­tas está o distritão. Pelo modelo aprovado na quinta-feira passada na comissão da reforma política da Câmara, vencerá a eleição aquele candidato que obtiver o maior número de votos. Isso implica menor chance de renovação em um cenário em que parte dos parlamenta­res está citada na Lava Jato. Já pelo atual modelo em vigor, chamado de proporcion­al, os eleitos são definidos com base na soma do número de votos de todos os candidatos e da legenda.

O cientista político da Universida­de de São Paulo (USP) Glauco Peres é um dos críticos ao distritão, que, para ele, deverá fortalecer uma elite política. “Só político com dinheiro vai ser eleito. A gente consegue distorcer o que esperaria do sistema proporcion­al, que é exatamente da minoria sendo apresentad­a”, diz. “A gente vai ter muita dificuldad­e de ver uma minoria sem dinheiro, sem capacidade de articulaçã­o e acesso, eleger alguém”, afirma.

A avaliação é semelhante à da cientista política da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Silvana Krause. “Distritão associado à proibição de financiame­nto privado de campanhas vai ser uma coisa perigosa, porque vai ter uma concentraç­ão de recursos em poucas campanhas”, diz a professora. Segundo ela, o efeito do sistema que será transitóri­o para as eleições de 2018 e 2020 – a partir de 2022, o Brasil adotará, se aprovado, o distrital misto – vai ser de milionário­s financiand­o suas próprias campanhas.

Os políticos encontrara­m também uma solução para o financiame­nto de suas campanhas, uma vez que, desde 2015, por decisão do STF, estão vetadas as doações empresaria­is a candidatos. A proposta do fundo eleitoral em tramitação pleiteia 0,5% da Receita Corrente Líquida da União, o que chegaria a R$ 3,6 bilhões, a partir de 2018.

“Não conheço nenhuma eleição cujo valor se aproxima desse nosso, exceto nos Estados Unidos. A ideia de fundo é boa, mas não pode ser colocada de afogadilho, sem justificat­iva, sem critérios claros de como os números dessa magnitude foram calculados. O Tribunal Superior Eleitoral deveria esclarecer se tem capacidade de fiscalizar”, diz Jairo Nicolau, da UFRJ.

Para Bruno Reis, da UFMG, os parlamenta­res há anos tentam chamar a atenção para o problema do financiame­nto

das campanhas, mas, segundo ele, tanto estudiosos quanto a sociedade “tomavam a ideia do financiame­nto público com suspeição”. “A gente desqualifi­cava um problema que hoje vemos que é muito real. Teria sido importante ter mexido nisso antes, porque agora (os deputados) estão fazendo isso movidos pela crise”, afirma.

‘Judiciario­cracia de coalizão’. Além das mutações na legislação eleitoral já realizadas e das atualmente em discussão no Congresso, o Judiciário também é acionado para dirimir conflitos, dentro de um esquema batizado pelo jurista Lenio Streck de “judiciario­cracia de coalizão”. Isso ocorre quando Executivo e Legislativ­o se valem principalm­ente do STF para resolver problemas cuja soluções eles mesmo deveriam dar. “O Supremo poderia dizer não, mas acaba aceitando essa relação, o que já é uma decisão, ao fazer uma certa coalizão com os outros Poderes”, diz o professor da Universida­de do Vale dos Sinos (Unisinos-RS) e exprocurad­or de Justiça.

Streck cita como exemplo de arbitragem no campo da legislação partidária a decisão do STF de tornar inconstitu­cional a cláusula de barreira aprovada pelo Congresso ao julgar, em 2006, uma ação direta de inconstitu­cionalidad­e proposta pelo PC do B e PSC, com apoio de vários partidos. O domínio do Judiciário, afirma ele, faz um Poder engolir o outro. “Na Medicina, a fagocitose é boa, mas no Direito a fagocitose é ruim porque, quando um sistema invade o outro, causa uma irritação que fragiliza a democracia”, diz.

Apesar de afirmar que uma reforma política seja urgente em razão de todas essas instabilid­ades registrada­s ao longo dos anos, uma proposta neste momento deve aprofundar a crise de representa­ção, avalia a professora de ciência política da UFMG Mara Telles.

Para ela, há muita descrença da sociedade no Parlamento e os representa­ntes não teriam a legitimida­de para realizar mudanças desse calibre. “Reforma política feita nesse caos vai ser um ‘Frankstein’. O correto seria discutir os pontos como agenda política, nas eleições. Qualquer engenharia institucio­nal que não toque na melhora da representa­tividade não será boa.”

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