Cenário anima estrangeiro a voltar a investir
Retorno cauteloso. Com a recuperação da economia e um cenário externo favorável, investidores estrangeiros impulsionaram fusões e aquisições de empresas e quase dobraram a presença em operações de emissões de ações na Bolsa de Valores no 1º semestre
Investidores estrangeiros que abandonaram o País começam a regressar diante da melhora de indicadores econômicos e, sobretudo, do cenário internacional. No primeiro semestre, a presença deles quase dobrou nas operações de abertura de capital e emissões de ações na Bolsa de Valores. O cenário político, no entanto, ainda é motivo de preocupação.
Os investidores estrangeiros estão, aos poucos, voltando a olhar o Brasil com interesse, depois de terem deixado o País por causa da crise econômica. O movimento é cauteloso – uma vez que a incerteza política ainda não foi embora – mas já aparece de forma mais clara na economia. A presença deles quase dobrou nas operações de abertura de capital e emissões de ações na Bolsa de Valores no primeiro semestre; os estrangeiros também tiveram participação relevante, de 44%, na compra de empresas e fusões de companhias – dois dos principais termômetros para medir o apetite dos investidores.
Esse retorno que começa a se desenhar é explicado, em parte, pela recuperação de indicadores econômicos: tanto a inflação quanto a taxa básica de juros estão em queda. Mas isso não é tudo. O cenário internacional também está jogando a favor. “A volta (dos investidores) é muito em função do mercado externo. O cenário internacional é o mais benigno desde 2008. Há uma melhora da economia em vários países, sobretudo dos EUA e Europa”, diz Ricardo Lacerda, sócio do banco de investimentos BR Partners.
Com mais dinheiro lá fora, parte dos fundos que investem em países emergentes começa a diversificar riscos e migrar para o Brasil. Um dos canais é a Bolsa de Valores.
Neste ano, já foram realizadas 13 operações na B3 (antiga BM&FBovespa): sete aberturas de capital (IPO, na sigla em inglês) e seis emissões de novas ações (follow on). Apesar de grande parte dos papéis emitidos ter sido negociada pelo preço mínimo, houve um incremento considerável nas operações: de 2014 a 2016, a média havia sido de uma abertura de capital e quase cinco emissões de ações por ano.
Além de ajudarem a aquecer o mercado, os estrangeiros elevaram suas participações. Das ações emitidas no primeiro semestre, 60,8% estão nas mãos de investidores de fora. No mesmo período de 2016, essa participação era de 35,7%, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). De acordo com José Eduardo Laloni, diretor da Anbima, o regresso dos estrangeiros começou a ser percebido no começo do ano passado no mercado de renda fixa, enquanto, no de renda variável, se tornou perceptível em 2017.
O investimento estrangeiro direto no País, aquele voltado ao setor produtivo, também ganhou força e avançou 7,4% no primeiro semestre, para R$ 36,3 bilhões, segundo o Banco Central. No mesmo período de 2016, o crescimento foi de 9%, mas ele veio na sequência de uma queda de 33% em 2015.
Fusões. A recessão e a Operação Lava Jato levaram muitos grupos brasileiros a colocar ativos à venda. E os estrangeiros também têm se aproveitado disso. O movimento de fusões e aquisições de janeiro a julho somou R$ 155,7 bilhões no País, alta de 73,6% em relação ao mesmo período de 2016, segundo a consultoria TTR. “O setor produtivo nacional não tem saúde financeira para ser agressivo nas aquisições”, diz o economista Silvio Campos, da Tendências.
O cenário político, no entanto, pode reverter todo esse movimento de retorno dos estrangeiros. “Há um otimismo cauteloso porque a agenda tem sido boa. Mas, se o cenário político mudar radicalmente, os investidores vão embora”, diz Hans Lin, gestor do Bank of America.
O mercado financeiro adotou um discurso de otimismo para a economia, mas com cautela por causa das incertezas políticas. Mesmo com as dificuldades em aprovar as reformas no Congresso depois da delação dos irmãos Batista, da JBS, os dirigentes dos maiores bancos de investimento dizem que os negócios devem avançar no Brasil.
“No ano passado, os investidores institucionais (bancos, fundos de pensão e gestoras de investimento) diminuíram o apetite por negócios. O cenário era de maior incerteza e a taxa de juros mais alta”, diz Marcelo Noronha, vice-presidente do Bradesco. Entre as opções de aplicação de recursos, estão aportes em crédito corporativo (empréstimo a empresas), que têm maior risco, mas uma taxa de retorno mais atrativa.
O mercado de ações também se tornou alvo de investidores internacionais e locais. “Vimos o investidor de volta ao mercado de capitais. As transações de abertura de capital (IPO) e emissões de ações (follow on) retomaram com força nos últimos meses, após três anos seguidos de movimento fraco. Essas transações se mantiveram firmes mesmo após a crise de maio (com as delações dos irmãos Batista)”, diz Fábio Mourão, responsável pela área de banco de investimento do Credit Suisse. O exemplo bem-sucedido desse tipo de operação foi a abertura de capital do Carrefour, que movimentou quase R$ 5 bilhões.
Em média, as emissões de debêntures (títulos de dívida) movimentam cerca de R$ 100 bilhões por ano no Brasil. No ano passado, recuou a R$ 70 bilhões. Até julho deste ano, atingiu R$ 55 bilhões. O mercado de renda variável, que encerrou 2016 em R$ 11 bilhões, mais que dobrou este ano até julho, totalizando R$ 23 bilhões.
Essa reação positiva demonstra um voto de confiança do mercado na continuidade da agenda de reformas colocada em curso pelo governo. Para Eduardo Vassimon, presidente do Itaú BBA e também responsável pelas operações de atacado do Itaú Unibanco, o mercado financeiro, de maneira geral, acredita que não haverá uma mudança radical das diretrizes econômicas em 2018, com a troca de governo. “Ainda temos incertezas sobre ambiente fiscal, que é a principal questão hoje. Fatos recentes mostram que não há clima (político) para se elevar impostos, por exemplo.”
Para Ricardo Lacerda, sócio do banco de investimento BR Partners, apesar da retomada dos investimentos no Brasil, em um cenário estável, de inflação controlada e juros baixos, ainda há uma deterioração do cenário político.
“Não está claro se o governo Temer terá condições para conseguir dar prosseguimento às reformas, que são consideradas extremamente impopulares, a um ano das novas eleições.”
As reformas, sobretudo a da Previdência, são prioritárias para os executivos de bancos, independentemente de quem assumir a presidência em 2018. “Embora não haja ainda clareza sobre os futuros candidatos, não vejo os investidores assustados em relação às eleições”, diz Bruno Amaral, executivo responsável por fusões e aquisições do BTG Pactual. Para Hans Lin, gestor de investimento do Bank of America, o investidor aguarda uma recuperação econômica mais robusta para voltar de vez a colocar dinheiro no País.
“Não está claro se o governo terá condições de prosseguir com as reformas a um ano das novas eleições.” Ricardo Lacerda
SÓCIO DO BR PARTNERS